segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Vazio, por Sayonara Lino

Sayonara Lino (*)



Hoje estou sentindo um vazio, daqueles que batem quando insistimos em entender o sentido da vida. Bobagem refletir muito, melhor é viver sem tantos questionamentos, com um tanto de lucidez, mas não em excesso para não destoar dos demais. Este dezembro chuvoso tem sido quase a legitimação da angústia que me cerca vez ou outra, um boicote, esse lado da minha mente que parece invejar minha própria alegria. Estranho, não?

Está tudo tão nublado e alagado, as idéias escureceram um pouco e ando suspirando por um passado que não voltará. Logo eu, que não sou das mais nostálgicas...

Penso no novo ano que se avizinha, os novos desafios, será que agüentarei o rojão? Sim, eu ando guerreira nos últimos tempos, não me entregarei, continuarei com a certeza dos que seguem fortalecidos intimamente.

Hoje acordei tão pálida, ando tão magra e com os fios tão brancos em meio aos fartos cabelos negros! Vi uma ruga de expressão, dei um sorriso de canto em frente ao espelho e ensaiei uma alegria antes de sair para não transmitir aos outros a melancolia que insistia em andar de mãos dadas comigo.

Comprei pão, leite, queijo, ovos, café. Cheguei em casa, tudo estava igual, tudo normal, absurdamente irretocável.

Hoje não vi borboletas, não ouvi gargalhadas, chorei e disse que estava ótima para quem perguntou. “Quem diria que viver ia dar nisso?” É o que indagava Caio Fernando Abreu.

(*) Jornalista

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Do outro lado da porta, por Celamar Maione

Celamar Maione (*)



Nove horas da manhã de um sábado nublado. Acordei com o vizinho de cima martelando na minha cabeça. Tive vontade de enfiar uma bermuda e esmurrar a porta do cidadão. Respirei fundo, contei até dez e saí da cama conformado. Antes de escovar os dentes fui até a cozinha pra fazer um café forte. Ao passar pela sala, vi que, por baixo da porta, entrava um líquido vermelho que parecia sangue. Parecia? Não, era sangue. Ou seria algum produto de limpeza novo e o faxineiro, descuidado, deixou escorrer?

Interfonei para o porteiro e perguntei se havia algum servente fazendo faxina pelos andares. Não havia. Curioso e ao mesmo tempo intrigado, me abaixei, passei a mão e quase vomitei. Era sangue. Cacete, havia alguém morto do outro lado. Homem ou mulher? Um animal? Ou seria uma brincadeira de mau-gosto das crianças do quarto andar? Abrir a porta e verificar? Mas se eu abrisse e o defunto estivesse encostado na soleira da porta e caísse na minha sala?

Por um momento tentei acreditar que era um pesadelo e logo passaria. Coloquei o café pra fazer. Entrei no banheiro com a cabeça latejando. Tomei uma ducha, escovei os dentes e voltei pra sala. O sangue invadia meu apartamento formando uma poça. E se eu ligasse para a polícia? Seria suspeito de assassinato? O telefone tocou. Dei um pulo. Era Carla, minha namorada. Tínhamos combinado de viajar pra Búzios e eu estava atrasado meia hora. Expliquei o que acontecia. Ela me chamou de mentiroso e desligou sem despedidas.

Tomei coragem e interfonei para o porteiro. Meia hora depois a polícia batia na minha porta acompanhada do Severino. Abri com o coração aos pulos. Olhei para o chão e lá estava o corpo de um desconhecido, aparentando 40 anos, com a cabeça ensanguentada, a boca aberta e os olhos arregalados. Sem conseguir respirar, eu olhava para o defunto, para a polícia e buscava explicação no rosto do Severino. Nervoso, o porteiro gaguejava contando aos policiais que o morto era genro do morador do 502, meu vizinho do lado .

O homem entrara pela manhã no prédio. A polícia perguntou pelo morador do 502. O porteiro explicou que ele costumava passear com o cachorro pela manhã.

A notícia se espalhou pelo prédio. Em poucos minutos, o corredor do meu andar lotou de curiosos. As mal-amadas que moravam em frente vibravam com a confusão. Finalmente um assunto diferente para animar o sábado – imaginei. As crianças desciam gritando pelas escadas. E a polícia me crivando de perguntas.

Eu repetia que nunca vira o morto, mas não convencia. O policial baixinho e de bigode era o mais desconfiado. Ele achava estranho que eu não tivesse ouvido nenhum barulho de briga. Expliquei que estava com a porta do quarto fechada e o ar-condicionado ligado. Que o único barulho que eu ouvia era do vizinho de cima martelando na minha cabeça.

Meu telefone tocou. Era minha mãe preocupada. Acabara de escutar a notícia no rádio. Tranquilizei-a dizendo que eu não era nenhum assassino. Uma da tarde, Seu Soares, sogro do morto, chegou acompanhado de Adamastor, um Coker de cinco anos. O policial baixinho e de bigode entrou com Seu Soares no 502. Ficaram trancados durante duas horas. Seu Soares saiu chorando acompanhado do policial.

Ele confessou o crime. Contou à polícia que seis e meia da manhã o genro tocou a campanhia. Os dois discutiram por causa de um empréstimo que o morto fez em nome dele e não pagou. Seu Soares ameaçou contar à filha. O genro o jurou de morte e saiu batendo a porta. Voltou e meteu a mão na maçaneta. A porta estava trancada. Tocou a campanhia. Amedrontado, Seu Soares abriu a porta com uma barra de ferro na mão. Novo desentendimento. Seu Soares tacou a barra de ferro na cabeça do genro . Ele caiu na minha porta. Acreditando que o marido da filha estava apenas desmaiado, foi passear com o cachorro e depois resolveu parar num boteco para tomar uma cerveja.

Assim que o rabecão retirou o corpo, por volta de três da tarde, pedi ajuda a um faxineiro para limpar o sangue . Passei o resto da tarde explicando às minhas tias e à minha mãe o que acontecera. Desliguei o telefone com a cabeça explodindo. Tomei um analgésico e ia me enfiar debaixo do chuveiro, quando o telefone tocou novamente. Era Carla. Ouviu o crime no noticiário e queria me pedir desculpa. Detesto mulher desconfiada. Recusei secamente o convite para uma saída. Ouvi alguns desaforos e levei com o telefone na cara. Não me importei. Já estava acostumado .

Durante vinte minutos deixei a água fria escorrer pelo meu corpo tenso. Saí do banho e meu estômago roncou. Estava até aquela hora apenas com um cafezinho. Resolvi comer uma pizza perto de casa. Equanto comia a pizza e bebia um chope, uma loira jantando numa mesa um pouco distante, não parava de me olhar . Correspondi. Paguei a pizza e fui até a mesa da mulher. Quando sentei, percebi a mancada. O pomo de adão denunciava. Pedi desculpas e corri para o meu apartamento. Saí do elevador e quando olhei para o chão, lembrei do corpo ensangüentado. Tive ânsia de vômito. Entrei no apartamento, fechei a porta do quarto, liguei o ar-condicionado e já me preparava para dormir, quando lembrei de uma coisa importante: a vassoura. Jurei que, se o filho da puta do vizinho de cima me acordasse,.martelando na minha cabeça, ia ter guerra. Exausto do mundinho de merda, adormeci quinze minutos depois .

(*) Radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador , mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

A busca ilusória de toda a verdade

Milton Coelho da Graça (*)



O presidente Lula, com notável franqueza, admitiu, em entrevista exclusiva, concedida a Mário Sérgio Conti, da revista piauí, não ler jornais nem revistas, não usar a internet para ler notícias ou blogs nem ver noticiários na televisão.

Merval Pereira dedicou a essa entrevista o comentário de hoje, terça, 06/01, concentrando a análise no óbvio desagrado presidencial em relação ao trabalho da imprensa, considerado “tumultuado e injusto” desde o início do primeiro mandato em 2003.

E critica fortemente a dependência, para o conhecimento claro da realidade no país e no mundo, a que o presidente teria voluntariamente se submetido, em relação a um pequeno grupo de assessores, encarregados de “digerir”, “selecionar” e “comprimir” todo o noticiário que possa lhe interessar.

Merval diagnostica que esses “canais de informação do presidente estão mais para propaganda do que para notícia”. Chega mesmo a apontar essa deformação como causa de erros de avaliação dos efeitos da crise mundial sobre a nossa economia.

E é sobre este ponto que proponho uma outra discussão: será possível a um presidente da República obter hoje uma visão plural de tudo que possa influenciar suas decisões através da leitura atenta dos três ou quatro maiores jornais, pelo menos duas revistas semanais, algumas outras publicações mensais e sem perder pelo
menos os dois mais importantes noticiários da televisão?

A pergunta tem sentido duplo: 1. o presidente da República teria condições de cumprir tudo isso como “tarefas obrigatórias” ?; e 2. mesmo acompanhando com máxima atenção todas essas fontes de informação, ele teria acesso a essa “visão plural”?

Por obrigação profissional, respondo “sim” à primeira pergunta. Mas a vida me ensinou – e certamente também ao presidente Lula - que não dá para repetir o “sim” à segunda.

Não podemos esquecer que dirigentes de outros países e das maiores empresas também são obrigados a delegar a tarefa da “peneira” – quantitativa e seletiva do noticiário – para conseguir um quadro mais ou menos completo e confiável, no qual basear as decisões.

A coluna de Merval é ótima como reflexão e defesa da liberdade de imprensa, mesmo quando imprecisa ou até mentirosa. Mas louco seria o governante que apenas confiasse nela para saber todos os ângulos de visão da realidade.

Dois anúncios de jornais brasileiros buscaram há algum tempo realçar suas maiores qualidades. O Estadão publicou uma mensagem em que proclamava a “credibilidade” como seu principal atributo. A Folha lançou um outro, em que ia apresentando algumas qualidades de um chefe de Estado, ao mesmo tempo em que ia surgindo a foto de Adolf Hitler. E aí afirmava com toda a razão, que, às vezes, não é preciso dizer mentiras, mas apenas não contar TODA a verdade;

Esse é o “x” do problema, como diria Noel Rosa.

(*) Milton Coelho da Graça, 78, jornalista desde 1959. Foi editor-chefe de O Globo e outros jornais (inclusive os clandestinos Notícias Censuradas e Resistência), das revistas Realidade, IstoÉ, 4 Rodas, Placar, Intervalo e deste Comunique-se.

domingo, 23 de agosto de 2009

Atos desconexos, por Fabiana BórgiaFabiana Bórgia (*)

Eu sou o impulso
o laçoo
lapso
o colapsodos
segundos
dos instantes
do que passa
e tantas vezes
perpassaatos
des
conexos
de instintos gritando
chamando
teu nome.

Não quero estar certa.
Sou passional
e escrevo tudo errado.
Entendo tudo de amor,
mas não sei amar.
Exílio.

(Do livro “Desconexos”, Íbis Libris – Rio de Janeiro).
(*) Poetisa e advogada, fazendo especialização em Leitura e Produção Textual, autora do livro “Traços de Personalidade”

domingo, 16 de agosto de 2009

O amor permanecerá sendo o amor, por Evelyne Furtado

Evelyne Furtado (*)

A partir de 1º de janeiro de 2009, entrou em vigor o tão discutido e pouco esclarecido Acordo Ortográfico, cujo objetivo é uniformizar a grafia das palavras em todos os países de língua de portuguesa. Vou ter que me informar sobre a reforma, pois bem ou mal, eu escrevo e deverei ter cuidado para não cometer mais erros, porém a preocupação fica por aí.

Passarei a fazer meus autorretratos e a ter meus momentos antissociais. Não usarei os hífens e finalmente não me culparei por esquecer os tremas, embora os ache bonitinhos. Comerei linguiça e pronto.

Direi que lhe perdoo, sem acento circunflexo e sem muito drama. Continuarei apta a perdoar e abrirei espaço para mais perdões verdadeiros.

Ainda bem que não tocaram na palavra que mais gosto de escrever. Amor continuará a ser amor do jeitinho que é grafado hoje e mesmo que alterassem a grafia da palavra, em essência o amor permaneceria a entrar porta adentro sem pedir licença. Filólogos e gramáticos não afetam e nunca afetarão o amor que é soberano e indomável.

Com ou sem legislação não deixarei de conjugar esse verbo com a voz do coração. Amo mesmo quando o sentimento é latente e descansa.
(*) Cronista e poetisa em Natal/RN.

domingo, 2 de agosto de 2009

Blues, por Solange Sólon Borges

Solange Sólon Borges (*)



Não sei fingir que amo pouco quando em mim ama tudo.
Vergílio Ferreira


Recebo sua imagem envolta em azul.
Mergulho onde se escondem asas,
virações, horizontes que me aguardam.
O azul profundo da noite a tudo oculta
sob sua pele bárbara:
percebo o quanto ilumina,
oscilando entre o que pulsa e emociona,
entre o que nomeio divino e estilhaço,
entre o que mostra e revela:
a rosa em formação.

Original: o estranho jogo de sílabas
embaralhadas para que tudo tenha sentido
e precisão diante dos destroços.
As palavras como testemunha.

Sua foto está lá, imutável,
sem fissuras, corrosões, devastações,
pressas, ervas daninhas,
enquadrada para a eternidade,
disciplinada pela beleza.
Sol encarcerado. Rios de luz na imobilidade,
semblante desfocado de anjo.

Na contraluz não se vê
a aparição subterrânea do que há em mim:
códigos intraduzíveis da fúria
e o útero dos relâmpagos.
A vida tem urgências...
as noites queimam
incontroláveis de amor.

O que temo? O desconhecido?
A profundidade dos abismos e seus alicerces corroídos?
Onde a arquitetura da paz?
A administração do caos?
É preciso que tudo doa menos.
Tenho necessidades medievais
diante do peso total de um céu desesperado.
Minhas pequeninas coisas do coração:
sonhos pisados, o amor que esperei e nunca veio...

Será que alguém ainda consegue
me fazer algum mal depois de tudo que vivi?
A circularidade do que é humano:
o mecanismo da vida que leva
a todos para tão longe
e depois os traz para tão perto
em sua sincronicidade perfeita.
Por isso seu olhar é azul e meu silêncio, blues.

(*) Jornalista, dedica-se a diversos gêneros literários. Entre outras atividades, atua em alguns programas “O prefácio”, sobre livros e literatura. Um deles é o programa Comunique-se, levado ao ar pela TV interativa ALL TV (2003/2004). Apresentou, também, “Paisagem Feminina”, pela Rádio Gazeta AM (1999), além de crônicas diárias na Rádio Bandeirantes e na Rádio Gazeta — emissoras das quais foi redatora, repórter, locutora e editora.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Um homem vive em mim, por Ilcimar Abreu

Ilcimar Abreu (*)



Lembro de mim pequenininha ainda, meias curtas, vestido bordado, cabelo lisinho, mas já sabia quem era aquele homem que me tomaria pelas mãos – resoluto forte altivo –, simplesmente ele.

Ainda hoje insisto em ler poesias de amor, peças entremeadas de glória e desvario. Me atrai a transgressão, aquilo que expande as sensações, a faceta mais teatral – irreverência.

Passeando pelas ruas ensolaradas, certa manhã, olhei para o céu tantas vezes, tantas vezes me encantei e cheguei a pensar em desistir de amar. Mas temos tantos segredos, facetas de melodrama e de paixão, amálgamas de prata e ouro; nem mesmo conhecemos nosso destino, em que instante seremos felizes ou infelizes...

Preciso dizer neste momento que em torno de mim vive a loucura, que não tolero gestos cotidianos e observo, satisfeita, esvaindo-se de mim a exuberância alheia em direção ao nada. Desejaria esquecer tensões, apertar mãos, abraçar indistintamente a quem passasse diante de mim nas ruas, ter sentimentos infantis, ora.

Cantigas de roda invadem minha mente e, não tem jeito, aquele homem é o centro de tudo, um mistério. És minha melodia, o que me dá cadência, sincopado, alegria: não tem jeito, ele é o centro de mim, um mistério. Simplesmente ele.

(*) Produtora cultural, cursando Letras na Estácio de Sá, Niterói, RJ.

terça-feira, 21 de julho de 2009

Ausência do sol, por Evelyne Furtado

Evelyne Furtado (*)



"(...) Onde vocês veem coisas ideais, eu vejo coisas humanas; ah, somente coisas demasiadas humanas!”

Naquele verão Nietzsche era o filósofo da moda. Todos pareciam conhecer o pensador intimamente, menos eu.

Um adolescente de 18 anos, em uma discussão on line, "mandou-me" ler Nietzsche. Achei o cúmulo da prepotência. Eu, que me considerava uma leitora razoável, estava sendo questionada por não ter lido o filósofo alemão. por um menino!

Depois de responder-lhe com minha ninharia "nietzschiana", advinda de Josteein Gardder, em poucas linhas de O Mundo de Sofia e de outros livros de iniciação à filosofia, resolvi encarar essa.

Empolgada com Quando Nietzsche Chorou, o romance de Irwin D. Yalon, onde Freud, Dr.Josef Breur, Friderich Nietzsche e Lou Salomé reunem-se na ficção, passei ao assassino de Deus.

Durante dias de muito calor, levei seu primeiro livro, “Humano Demasiado Humano” e outro trabalho sobre a sua obra, para a praia. Eu, Nietzshe, água de coco e o sol na Praia de Forte, em Natal.

A semana começou com o brilho do sol e o entusiasmo do aprendizado.
Lia os aforismo que contrariavam os fundamentos com os quais eu havia formado meu comportamento e me impressionava com a razão contida nas idéias do pensador.

Ali tudo era permitido em razão do bem-estar do homem. Não havia Deus. Não havia o mal. Quem matasse ou roubasse para se satisfazer teria Nietzsche como padrinho.

O super-homem, o eterno regresso e, principalmente, o niilismo, apesar de toda genialidade do filósofo, foram apagando o sol dentro de mim.

Ao fim daquela semana, eu sabia um pouco mais sobre Nietzsche, porém era uma mulher quase sem esperança. O sol queimava minha pele, mas não me aquecia.

Não me interessava o mundo segundo o filósofo alemão. Eu precisava e preciso crer em um ser superior acima dos homens e fiz a opção pela fé, sem deixar de me compadecer e de admirar aquele homem sábio e triste. Naquele verão, optei pelo sol e deixei Nietzsche na prateleira.

(*) Cronista e poetisa em Natal/RN

domingo, 12 de julho de 2009

Janelas, por Fabiana Bórgia

Fabiana Bórgia (*)



A vida abre
caminhos:
existencialismo de Sartre.

Eu me envolvo
com o mundo
e me escondo
(atrás das portas)
até alguém me descobrir

Quando o silêncio expandir a minha voz
eu estou aqui.

Isso tudo
quando percebo
janelas.

(Do livro “Desconexos”, Íbis Libris – Rio de Janeiro).

(*) Poetisa e advogada, fazendo especialização em Leitura e Produção Textual, autora do livro “Traços de Personalidade”.

domingo, 5 de julho de 2009

Casa de praia, por Rodrigo RamazziniRodrigo Ramazzini (*)

- Amor, olha só...
- Que?
- Ontem, os guris me ligaram... E... E me fizeram um convite.
- Que convite, Márcio?
- Bom! Tu sabes que eles estavam cheios de planos para o verão, né?
- Ricos planos! Forjados em meio a muitos litros de cerveja. Tinham tudo para dar errado! Por isso nenhum saiu do papel...
- Pois é... Tenho que concordar em parte contigo. Em anos anteriores foi assim mesmo. Mas desta vez a idéia de alugar uma casa na praia, finalmente, se concretizou.
- Ah é? Que legal! Até que enfim... As gurias alugaram uma também!
- Também?
- Arãn! Bah! Estava pensando aqui: fazia uns bons verões que eles estavam alugando essa casa mesmo, hein?
- É verdade!
- Qual a praia?
- Na mesma aquela que a mãe do Arroz tem casa!
- Ah tá! Quando eles irão?
- Na sexta-feira.
- Quem vai? Toda a galera?
- Sim! Sim! Quer dizer, em parte...
- Como “em parte”?
- Bom! Os solteiros eu sei que vão...
- E?
- Eu e o Marquinho já não sabemos!
- Ué! Por quê? Vamos! Qual o problema? São seus amigos...
- É que tem um problema.
- Qual?
- É que... É que... O convite que eles me fizeram não te incluía. Era para eu ir sozinho. Pronto! Falei!
- Mesmo?
- Arãn!
- E o que tu respondeste?
- Que iria falar contigo!
- Para disfarçar, né? A resposta tu já sabes que logicamente é um não!
- Por quê?
- Tu ainda tens a cara de pau de perguntares por quê? Sozinho na praia com teus amigos, nem pensar! Só seu eu estivesse louca!
- Qual o problema? O que tem de mais?
- Qual o problema, Márcio? Qual o problema? Que orgia praiana não vai virar essa casa...
- Nada a ver, Veridiana!
- Sei... Prefiro acreditar no Coelhinho da Páscoa!
- Não faz assim! Será só um tempo na praia com a galera, para espairecer, só isso...
- Eu acredito! Se tiver muita cerveja e mulheres correndo de calcinha pela casa então, vai ser perfeita a espairecida!
- Meu Deus! Não é isso! Tu sempre fazendo caso... Só quero aproveitar as minhas férias.
- Márcio! Vou falar pela última vez com todas as letras pausadamente: a resposta para a tua ida a praia sozinho com os amigos é NÃO! E não se fala mais nisso...
Sexta-feira

- Smack! Mmm! Ah... Que beijo!
- Quer mais, meu gatinho?
- Arãn! Eu já falei que te amo hoje?
- Que eu me lembre não! Que barulho é esse?
- É o meu telefone... Não acredito!
- O que foi?
- É o meu chefe!
- Atende.
- Alô! É ele. Oi chefe! Fala... Estou na cidade sim! De férias, mas estou... Ah ah ah... Por quê? Putz! É mesmo! Tio dele que morreu, isso? Bah... Até posso, mas... O Vinícius não iria substituí-lo? Ah é? Que azar! Qual pé? Pior ainda... Bom! Se for para o bem da empresa e felicidade geral do chefe, eu vou sim! Daqui a pouco estou aí. Tchau.
- O que foi Márcio?
- O babaca do meu chefe me chamando para trabalhar. Parece que morreu um tio do Osmar e o Vinícius quebrou o pé jogando futebol. Daí, vou ter que substituí-los. Preciso ir lá, meu amor.
- Em plenas férias, Márcio?
- Fazer o quê? Não podia recusar, né! Eu preciso deste emprego... O pior é que, pelo jeito que ele falou, vou ter que trabalhar o final de semana todo. Mas eu mando notícias. Dá um beijo: Smack! Mmm! Fui! Qualquer coisa me liga...

Minutos depois...
- Alô!
- Mônica é a Veridiana! O que eu te falei? Aconteceu aquilo que eu previa. Conheço bem o Márcio. O safado usou a velha desculpa de ter que trabalhar no final de semana pra me enrolar. O infeliz está até de férias. Com certeza irá para a praia com os amigos. Falando em praia, aquele convite de eu ir com vocês ainda está pé? Vão sair daqui à uma hora, isso? Perfeito! Vou arrumar as minhas coisas e espero vocês...
(*) Jornalista e cronista.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Sob testemunho do Rio Mearim, por Seu PedroSeu Pedro

(*)

Dia 3 de janeiro. Aproveitando-me da madrugada calma, e do sono dos ainda cansados do fim de ano e que só neste sábado voltarão aos embalos da noite, estou navegando virtualmente pela Internet, procurando, no Google, nomes daqueles que no passado tiveram um mínimo de interação na minha vida. Vida esta igual à do que ainda pensa que é alguma coisa e coisa alguma é. Somos momentos, eternizados ou esquecidos, pois como diz o poeta, “tudo passa, tudo passará”. Antes das buscas fui ao site de hábito, o Recanto da Letras onde vejo amigos que nunca vi. Visito pela primeira vez Silvano Alves, nascido na cidade de Pedreira, no Estado do Maranhão, às margens do Rio Mearim. Não sei precisar exatamente o tempo, mas creio que fazem entre trinta e cinco a quarenta anos que estive nesta cidade, às carreiras.

Uma noite, sentado em uma cadeira de balanço, na varanda de sua casa paroquial, na cidade de Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, estava padre Benedito Pereira Lima lembrando sua infância e juventude. Nasceu em Pedreiras, no Maranhão, de onde saiu aos 13 anos para estudar em um seminário e até seus vinte e poucos anos, a família teve notícias do rapaz. Mais de trinta anos haviam se passado e padre Benedito buscava recordações da pequena, mas progressista cidade e contava a lenda da cobra que tinha a cabeça na grande pedra, folclore daquela região. Creio que Benedito já é falecido, pois comemorou mais de meio século vivido naqueles dias, além de avançar sobre ele uma bronquite crônica.

Naquela noite Benedito me convidou a acompanhá-lo a uma viagem que havia décadas pretendia fazer. Pretendia, mas não fez. Voltar à sua terra, rever os antigos parentes que ali ainda estivessem vivos, pai e mãe não tinha mais. Na viagem em um automóvel que me coube dirigir, contando cidades que nem ouvira falar, chegamos no mesmo dia de uma festa e show. Reginaldo Rossi iria cantar ali. Sem direção certa dos parentes, e pelo adiantado da hora, procuramos um hotel. Parece-me que na época era o único, e já com sua lotação comprometida pela presença do astro e suas equipe. Assim mesmo, sem muita escolha de conforto, ali ficamos. No dia seguinte, bem cedo, saímos a procurar os parentes de padre Benedito. Afinal, já fazia trinta anos!

Sem muita dificuldade soubemos que um primo do padre tinha um comércio ali próximo. Fomos até lá. Recebi com frieza. Benedito foi lembrado que havia sumido e não havia dado notícias nem por carta, se vivia e onde vivia. Foi-lhe dito que a herança que seus pais haviam deixado já estava distribuída. E a pergunta: “Veio aqui por causa da herança?”. Benedito recolheu-se, silenciosamente, a ele próprio, abaixou a cabeça, entrou no carro. Passamos no hotel, recolhemos nossos pertences, e fomos dormir, a segunda noite, em cômodos separados, na cidade de Bacabal, onde por três noites padre Benedito permaneceu enclausurado em um apartamento de hotel.... Ele que havia vivido tantos anos sem heranças de família, por que razão as iria buscar trinta anos depois?

De tudo isto me restou a lição de que não pertencemos ao meio que abandonamos, mas ao circulo em que vivemos. Nossos melhores parentes são aqueles que conhecemos e com eles convivemos, não os que pelo tempo distante nos tornamos desconhecidos. E vem o menino meu vizinho, ainda tão novo, e me diz: “Quem vive de passado é museu”. Talvez tenha razão.

(*) Seu Pedro é o jornalista Pedro Diedrichs, editor do jornal Vanguarda, de Guanambi, Bahia.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Assassino, coveiro e fotógrafo, por Fábio de Lima

Fábio de Lima (*)

Na minha profissão é mais comum se conviver com coisas tristes que felizes. A morte pode ser motivo de festa em algumas culturas de paises distantes, mas no Brasil é dolorosa e triste. Sempre foi. No meu caso, ainda pior, visto que lido com a morte matada. Quando se morre de doença alguém pode dizer: foi melhor para ele que ficar sofrendo. Mas, quando se morre assassinado, seja o morto uma pessoa boa ou ruim, sempre deixará saudade e tristeza no coração de alguém. Então, não saio por aí matando gente e dando risada. Meu trabalho é feito de forma sisuda.

Portanto, naquela quinta-feira fria de agosto, achei maluca a proposta de Zé Peru. Aliás, seu nome já me parecia maluco. Zé Peru nascera numa cidade peruana chamada Ambayama, ao norte de Lima. Veio para o Brasil com um irmão e dois primos quando ainda tinha 15 anos de idade. Foi carregador de caixas no mercado municipal de São Paulo, depois vendedor de temperos, e acabou montando uma padaria, também no centro da cidade, quando tinha pouco mais de 20 anos. Foi nessa padaria que viveu, atrás do balcão, até os 71 anos, quando faleceu vitimado por um infarto fulminante.

Bem, como é fácil notar, Zé Peru foi um lutador – imigrante que conseguiu vencer no Brasil às custas, exclusivamente, de seu trabalho. Mas, num certo momento da vida, um assaltante tirou Zé Peru do domínio de sua rotina. O malandro assaltou, seguidas vezes, a padaria de Zé Peru, e sem nenhuma cerimônia. Os assaltos eram à luz do dia, com arma em punho, ameaçando o próprio Zé Peru e também seus fregueses. Zé não teve dúvida – veio atrás de mim para contratar os meus serviços.

Histórias como essa, ouço, diariamente, no afazer de meu ofício. Mas, Zé Peru me trouxe uma história toda especial. Depois de negociar comigo o valor de meu pagamento, condicionou a entrega do dinheiro a um serviço extra que eu teria de fazer. Ele me contou que em Ambayama existe uma crença que quem é assassinado não pode ficar jogado sob sol ou relento.

Quem mata em Ambayama tem o dever de enterrar o defunto numa cova rasa, de forma que só a cabeça fique para fora da terra. Ainda segundo a crença, o assassino que não faz isso morre também, num prazo máximo de 13 meses. A morte pode ser natural ou não. Não cumprir o ritual é assinar a própria sentença de morte. Não bastasse, se o assassinato teve um mandante, descumprido o ritual, morre o mandante também, no mesmo prazo.

Eu confesso já ter escutado histórias estranhas. Na vida, acho que nada mais me surpreende. Mas aquele pedido de Zé Peru me deixou com a cabeça coçando. Afinal, eu era um matador e não um coveiro. Demérito nenhum à segunda profissão, mas acho que cada um com seu talento e o meu nunca foi de enterrar defunto e sim fazer defunto. Argumentei tudo isso para Zé Peru, mas ele esteve irredutível, e me disse que se eu não aceitasse o trabalho ele procuraria outro matador.

Zé Peru havia me oferecido mais que o dobro do que se pagava para um assassinato. Então, mesmo intrigado, aceitei o trabalho, sendo coveiro e tudo. E Zé ainda me pediu mais uma coisa. Disse que o acordo que faríamos era algo muito sério que envolvia o futuro de nossas vidas. Portanto, Zé precisava de provas que o homem, depois de morto, seria enterrado mesmo. Eu precisaria provar com fotos do corpo enterrado com apenas a cabeça para fora da terra. Eu achava que Zé Peru era doido, mas, mesmo assim, prometi para ele que faria todo o serviço da forma combinada.

Duas semanas depois do acordo com Zé Peru, eu, debaixo de uma fina garoa, num sábado de lua cheia, no bairro de Aricanduva, extremo da Zona Leste de São Paulo, num lamacento campo de futebol, às 3h27 da madrugada, eu batia cinco fotos. De Zé Peru, recebi o pagamento e o agradecimento na segunda-feira, na hora do almoço, numa lanchonete no bairro da Liberdade. Ele ficou com as cinco fotos e com a satisfação nos olhos ao ver o meu trabalho. Anos depois, tive notícias que ele havia morrido. Pelo que soube, a morte de Zé Peru aconteceu 13 meses depois de nosso último encontro.

(Trecho do livro DOCE DESESPERO, de Fábio de Lima, ainda em processo de escrita).
(*) Jornalista e escritor, ou “contador de histórias”, como prefere ser chamado. Está escrevendo seu primeiro romance, DOCE DESESPERO, com publicação (ainda!) em data incerta.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

As noites paulistanas são belas, maravilhosas. Com chuva ou um tempinho frio é gostoso andar pela cidade. Este é um ano diferente, em que comecei a freqüentar algumas baladas sozinho. Aprendi a fazer programas bastante interessantes, como ir ao SESC Pompéia e depois dar uma passadinha em Pinheiros para dançar o bom e velho forró.

Estranho, ao sair de casa, na fé que iria conseguir um ingresso para assistir o show da Banda Black in Rio e a participação do trombonista Boccato na Choperia. Ao chegar na bilheteria, havia uma placa com a seguinte mensagem: Ingressos Esgotados para Black in Rio e Boccato.
Pensei, circulei, fiquei olhando alguns banners. Voltei, descobri que havia Arrigo Barnabé. Nunca assisti a uma apresentação do Pianista. Logo, resolvi, comprei o ingresso e subi até o teatro.
Arrigo e seu parceiro, dois exímios pianistas que apresentavam as suas composições experimentais. Pude ouvir no final “Clara Crocodilo”, que é uma composição bastante interessante. Acabou a apresentação, segui em direção ao estacionamento. Encontrei duas moças comentando sobre o show e ficaram surpresas com a performance do Arrigo Barnabé e de seu parceiro. Quando pagava a conta, olhei para o relógio: eram 22h15. Peguei o carro, dei uma voltinha no bairro das Perdizes e resolvi seguir até a Faria Lima. Entrei no Canto da Ema, fiquei até 01h00 da manhã.


Durante a volta para a casa, a cidade estava bastante movimentada. Plena madrugada de sábado para o domingo, as principais vias da cidade encontravam-se congestionadas. Ao chegar em casa, pude descansar bastante e aproveitar o domingo para estar com o pique para a segunda-feira.


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Sábado seguinte, passa uma semana apertada, muitas contas para pagar. Enfim, chega a hora da diversão. Li no jornal na sexta-feira que teria uma apresentação do Francis Hime e com participação de Mônica Salmaso.


Durante a manhã, uma garota torrou a minha paciência e queria ir para uma igreja. Eu disse que não estava a fim de ir em nenhuma igreja, queria me divertir e estava em dúvida se ia para o Teta Jazz ou Sesc Pompéia. Ela insistiu sobre a igreja. Disse que precisaria de um emprego e não tinha um real para pagar uma garrafa de água. Logo, pensei, pensei... enrolei na Internet e achei uma igreja e disse que iria buscá-la às 18h15 na casa dela.


Cheguei um pouco atrasado, mas dentro do horário previsto. Choveu, deu tudo errado, mas cheguei. Ao perguntar ao porteiro: “Cadê a *Chiquinha do 108? “, ele interfonou e disse: “ Meu, ninguém responde”. Então, entrei no carro e fui embora. Fiquei muito chateado, triste. Mas lembrei do que eu li no jornal que teria Francis Hime no SESC. Logo, fiz a volta e segui em direção a Pompéia. Fiquei só, olhando pessoas que estavam sozinhas, com famílias, com amigos e lá estava no meu canto, tomando um Del Vale de latinha e vendo o tempo passar.
Comprei o ingresso e mais um tempinho, segui até o teatro. Ao tocar a campainha, entram os músicos e Francis Hime. Uma apresentação maravilhosa, músicos de ótima qualidade. Francis mostrou muita facilidade ao se comunicar com o público e a participação de Mônica Salmaso foi bastante marcante e deu um colorido especial junto ao grupo do músico carioca.
Uma hora e meia de show que passou muito rápido de tão bom que foi. Valeu a pena sair sozinho mais uma vez pelas noites paulistanas.
(*)Estudante de jornalismo, micro-empresário e escreve no blog Casos Urbanos www.luisdelcidess.blogspot.com.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Obrigado Gentileza por seu perdão, por Seu Pedro

Seu Pedro (*)



Já escrevi outras vezes sobre isto, mas vale recordar. Ou não se faz reiteradas vezes a mesma oração do Pai Nosso? Cada vez que repito este feito, é como se viesse nova oportunidade para um pedido de perdão que me valerá eternas lembranças do sorriso de quem me tenho certeza me perdoou. Refiro-me ao profeta Gentileza, José Datrino, nascido na cidade de Cafelândia, em São Paulo, no dia 11 de abril de 1917, falecido em Mirandópolis, São Paulo, em 29 de maio de 1996, para onde foi levado por familiares, pois seu estado físico já não permitia suas andanças, só falando do bem.

Os que conhecem sua história sabem que Datrino, desde tenra idade, era portador de um comportamento atípico: dizia ter premonições e que depois ter família; mulher e filhos, largaria tudo em pról de uma missão que cumpriria. No dia 17 de dezembro de 1961, na ciade de Niteroi, RJ, dizem que, criminosamente, alguém ateou fogo nas lonas do Gran Circus Norte-Americano, durante um espetáculo de casa lotada, o que foi considerada a maior tragédia circense do mundo, quando mais de quinhentas pessoa morreram. Na ante-véspera do Natal daquele ano, surge o Gentileza. Datrino foi um consolador voluntário, visitando familiares dos mortos e passando a mensagem de “agradecimento” a Deus.

Desfeito de seus dois caminhões, distanciado da família, com filhos já criados, plantou grama no local da tragédia e, naquele terreno, foi morar, alí meditando por quatro anos. Seu lema era: Agradecido e Gentil. Assim, ficou conhecido como José Agradecido, posteriormente como Profeta Gentileza. Após deixar o local que foi denominado Paraíso Gentileza, o profeta Gentileza começou a sua jornada como personagem andarilho. E foi um dia, que não sei com precisão, no início dos anos setenta, que apressadamente eu iria entrar na barca de travessia entre Rio e Niteroí, quando me senti atrapalhado por aquele homem de túnica branca e longas barbas, com uma placa na mão pregando os dez mandamentos. Instintivamente, chamei-o de louco. E ele respondeu: Sou maluco para te amar e louco para te salvar.

A barca inciou a travessia e o profeta percorrendo seus corredores e seus dois andares. E só falava de amor. Em sua infância, foi amansador de burros, que conduzia pela feiras de sua cidade, trabalhando e ajudando sua família pobre. Se dizia agora amansador dos burros homens da cidade, que não tinham esclarecimento. Me senti um deles. E manso, dispus da cadeira, com vista para o mar, cedendo-a a uma senhora, e caminhei pelos corredores. De frente ao profeta, roguei: me perdoe. O sorriso a mim destinado disse tudo: eu tinha obtido o perdão. Voltei ao meu espaço de ouvinte, e aquele que se tornou uma das figuras de rua mais populares do Brasil continuou a pregar.

A cada dia onze de abril eu deveria meditar sobre o homem que percorreu, em sua última década de vida (morreu aos quase noventa anos) o Brasil na quase totalidade das cidades. Não fundou nenhuma igreja, não arrecadou nenhum dízimo, e só falava no bem, e aplicava frases de efeito moral contundentes. E fico a pensar o que lí em uma crônica de um amigo padre: todos os meios de comunicação são importantes na mensagem da palavra de Deus. Para mim Gentileza foi importante comunicador. E se vivo pedindo perdão a Deus pelos meus pecados, pequei perante o proferta. Dele pedi e recebi o perdão. Ví-o face-a-face! Um homem que prega o amor, o perdão, que não alimenta ódios, pode ser chamado de louco? Só se for louco para lhe salvar, e ai serei um louco também.

(*) Seu Pedro é o jornalista Pedro Diedrichs, editor do jornal Vanguarda, de Guanambi, Bahia.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Vira em cinco, por Nei Duclós

Nei Duclós (*)



Calçada e asfalto no verão eram o piso da fornalha da tarde. Nem mesmo embaixo do tufo de árvores havia brisa, refresco, alívio para nossos corpos imobilizados pela sede. De olho no carrinho de picolé que passaria ao longe, anunciado pela corneta salvadora, contávamos os minutos que faltavam para nossos compromissos, quando colocávamos à prova a sola dos pés, grossa de tanto jogar no terreno baldio, situado num declive acentuado. A natureza íngreme do estádio definia a natureza de nossas disputas.

Como o tempo era infinito, a partida limitava-se pelo número de gols e não pelas horas que passávamos ao ar livre, nos atormentando com caneladas e gritos. Cada jogo ia até dez e virava em cinco. Disputava-se no par ou ímpar quem iria primeiro para a parte mais alta do terreno, pois, a cavaleiro, podia-se avançar sem muito esforço. Rapidamente, o time do andar superior alcançava o fácil placar de cinco contra qualquer coisa, pois, dali, tiro de meta era quase um pênalti. Todo lance era facilitado pela lei da gravidade. Bastava ao adversário do escrete de cima se jogar para frente que já era meio gol.

Mas, com a mudança de posição, a vantagem virava-se contra o próprio vencedor do meio tempo. O jogo então chegava ao empate terminal dos nove-a-nove, que transformava cada guri num guerreiro medieval, capaz de cortar o braço ou a perna de quem se aventurasse a ganhar a disputa. Não era apenas o tempo reservado à peleja que contava. Mas principalmente o que vinha depois, quando depositávamos nossa carcaça embaixo do umbu e as implicâncias, sarros e provocações atingiam o paroxismo. Os perdedores tinham gana de asfixiar os meliantes que se aproveitavam do resultado para exigir mandados, como ir buscar o picolé no calorão, por exemplo.

Era uma operação complicada. Queimava-se os pés em direção ao sorveteiro e era preciso trazer todas as encomendas numa velocidade que impedisse o derretimento da prenda. Isso costumava acontecer, provocando, aí sim, contendas realmente pavorosas, que arrancavam pedaços naquela pré-adolescência feroz, quando éramos apenas garotos e o mundo, como hoje, jamais se importava com a noção de eternidade que regulava nossas vidas.

(*) Autor de três livros de poesia: "Outubro" (1975), "No meio da rua" (1979) e "No mar, Veremos" (2001); de um romance: "Universo Baldio" (2004); e de um livro de conto e crônicas: "O Refúgio do Príncipe - Histórias Sopradas pelo Vento" (2006). Jornalista desde 1970 e formado em História.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Sem o meu cabeleireiro, por Gustavo do Carmo

Gustavo do Carmo (*)



Zuleide só cortava o cabelo com o Fred. Só ele sabia aparar as suas pontas e não deixá-lo armar. Somente o Fred podia pintar, alisar e fazer a escova. Além de tudo, era o seu único confidente. Só aceitava conselhos pessoais dele.

Quando chegava ao salão, os outros cabeleireiros a assediavam como abelhas, mas Zuleide só aceitava o Fred. Marcava horário somente com o Fred. Se ele atrasava, esperava. Quando não podia aparecer, voltava para casa (frustrada) e agendava um outro dia. Só fazia as unhas ou a depilação depois do corte pronto, pois tinha medo de perder a vez, já que o seu trabalho era muito concorrido. Fred atendia Zuleide em seu salão na Avenida Nossa Senhora de Copacabana.

Era um homem moreno, alto e forte. Pele e barba lisa como bunda de neném. Cabelos bem aparados. Casado, tinha dois filhos. De origem humilde, foi procurar emprego em um pequeno salão em Cascadura, que pertencia a duas irmãs.

Estava desempregado, prestes a ser despejado com a mulher e os dois filhos pequenos. Pediu uma oportunidade para varrer o chão do salão. Ao ser flagrado cortando perfeitamente o próprio cabelo em um dos intervalos do serviço, ganhou uma oportunidade para cuidar do cabelo de uma cliente – amiga das patroas – que serviu de cobaia. O corte chanel ficou perfeito. A mulher não só tornou-se fiel como recomendou os serviços de Frederico para as amigas, entre elas, Zuleide. Frederico foi promovido a cabeleireiro e passou a ser apelidado pelas donas e as clientes de Fred. Fez vários cursos na área de estética e beleza para se aperfeiçoar e regularizar a sua nova profissão.

Zuleide morava no Engenho de Dentro. Era uma moça muito bonita, morena como Fred, que tinha cabelos cacheados antes de alisá-los com o seu cabeleireiro preferido. Publicitária, também foi promovida a diretora, o salário aumentou e ela se mudou para Ipanema. Apesar disso, manteve-se fiel ao trabalho de Fred. Aparecia de quinze em quinze dias com o seu carro luxuoso na porta do salão no bairro do subúrbio.

A violência da cidade aumentou. O trabalho de Zuleide também. Tornou-se difícil para ela manter a fidelidade a Fred. Depois de um assalto que sofreu ao voltar do salão onde o amigo trabalhava, Zuleide ficou com medo de aparecer em Cascadura com o seu carro importado zero-quilômetro. Tratou de arrumar um emprego para ele em uma rede de salões de beleza em Copacabana, onde podia ir até a pé.

Com muita tristeza, Fred deixou as antigas patroas, que se transformaram na mãe que ele perdeu cedo. Em cinco anos, Fred também se destacou no novo local de trabalho e conquistou também a clientela de artistas e profissionais liberais renomados. Ganhou prêmios e muito dinheiro. Ficou rico.

Abriu o seu próprio salão de estética e beleza. O negócio prosperou. Tornou-se concorrido. Zuleide, claro, foi a sua primeira cliente. Porém, teve de se conformar em ser obrigada a marcar hora com o amigo, pela primeira vez. A moça ficou chateada no início, mas depois aceitou. Mas passou a ter ciúmes do cabeleireiro com outras clientes. A esposa também. Manicure do salão, cismou que o marido a estava traindo com Zuleide quando o via conversando alegremente com a cliente. Só tirou a idéia da cabeça, por um tempo, quando foi surpreendida com um jantar romântico e uma lingerie. Engravidou do terceiro filho.

Já Zuleide era tão obcecada pelo tratamento capilar de Fred que tinha pavor só de pensar na morte dele. Chegou até comentar durante uma sessão de pintura:

— Ai, Fred. Se você morrer eu nunca mais cortarei o cabelo na minha vida.

— Ih, deixa de bobagem, Zu. Eu tenho tantos cabeleireiros talentosos. Se você quiser eu te indico o René.

— Não. Só aceito cortar o cabelo com você. Se acontecer o pior, aí sim eu aceito a sua sugestão.

— Xi, vamos mudar de assunto? Detesto falar em morte.

Aconteceu o que Zuleide mais temia. Fred foi alvejado por seis tiros no peito, caindo inerte no asfalto frio pelo sereno das onze da noite. Saía do salão após um dia movimentado de trabalho e lucro. Estava se dirigindo para o carro estacionado em um rotativo na Constante Ramos quando sentiu o primeiro estampido quente em seu peito, vindo de alguém que havia tocado as suas costas. A féria do dia foi roubada.

O salão amanheceu aberto, mas sem atendimento. Apenas para os funcionários desolados comunicarem o triste acontecimento às clientes. Zuleide se desesperou. Fez questão de ir ao velório e ao enterro do cabeleireiro fiel e amigo. Comportou-se como a viúva. Chorou abraçada ao caixão. Fez escândalo. Assustou até as antigas patroas de Fred, que já estavam bem velhinhas. A verdadeira viúva aceitou, contrariada, as condolências dadas por Zuleide também aos três filhos de Fred, igualmente inconsoláveis. Os meninos estavam começando a trabalhar com o pai. O rapaz, como cabeleireiro e a moça como atendente. O menino mais novo não estava presente na capela. Ficou brincando na casa da avó materna, sem saber que vai crescer órfão.

Zuleide passou um mês de luto. Mandou até tingir algumas roupas de preto. Assim ia para o salão do amigo falecido e cortava o cabelo com René, um jovem humilde que teve a mesma trajetória de Fred, a quem também pediu um emprego. Mas René não conseguiu agradar a Zuleide, que detestou o seu trabalho e dos outros nove cabeleireiros do Freds Coiffeur.

Mudou de salão. Tentou cortar em Ipanema. Em um shopping da Barra, em Botafogo. Até na zona norte. Voltou a cortar no salão das ex-patroas de Fred, em Cascadura, já sob nova direção. Não se acertou com nenhum.

A polícia suspeitou de assalto, da viúva por causa de ciúmes e de René, homossexual apaixonado pelo patrão. Todos provaram inocência. As investigações chegaram até Zuleide, através da denúncia feita por René que, indignado pela humilhação que levou da nova cliente, se vingou, contando, em depoimento, o comportamento exagerado da antiga cliente no velório. Também acharam as suas digitais na pistola com silenciador. Zuleide confessou tudo.

Matou porque descobriu que Fred desmarcou um horário com ela só para atender a sua ex-melhor amiga, que lhe roubou o seu noivo, único homem por quem se apaixonou.

(*) Jornalista e publicitário de formação e escritor de coração. Publicou o romance “Notícias que Marcam” pela Giz Editorial (de São Paulo-SP) e a coletânea “Indecisos - Entre outros contos” pela Editora Multifoco/Selo Redondezas - RJ. Seu blog, “Tudo cultural” - www.tudocultural.blogspot.com é bastante freqüentado por leitores.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

A Sós, por Marcelo Sguassábia

Marcelo Sguassábia (*)


Olhares que se cruzam, dela e do cão. Do ponto de vista do cão, o olhar somente – o literal pousar de olhos sobre alguém ou alguma coisa. Para ela uma zona de conforto na arrumação de si, como se fosse possível um cessar-fogo entre os neurônios.

Poderia não ser um bicho, mas uma xícara, um poste, o que via não era absolutamente o que enxergava. Não havia a consciência de olhar o cão, nem no cão a de saber-se observado. Cara a focinho, aquele era o tempo presente dos dois.

A indolência que sentia lembrava talvez o fastio que se tem em casa de mãe após a janta generosa. Isso era nostálgico e reconfortante, a sensação do território conhecido, o nada além da posse precária daquele momento de pálpebras arcando.

Vovó morta, envolta em seda, o coro de filhas de Maria na trilha sonora, entregando junto ao padre o corpo à terra. Vovó se foi, é fato, ficou o cão e a urgência do que fazer dele.

Chove a fina e mesma chuva sobre finados e vivos, um bolero gira na vitrola arcaica. Delírios, xô que já é tarde. Deixem-na a sós com seu cão.

(*) Redator publicitário há mais de 20 anos, cronista de várias revistas eletrônicas, entre as quais a “Paradoxo”.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

A onça e o monte, por Juliano Luís Pereira Sanches

A onça e o monte, por Juliano Luís Pereira Sanches

Juliano Luís Pereira Sanches (*)



Num certo período do dia, o tempo e natureza pedem um espaço para os seres se desabafarem. Querem se expressar, contar o que sentem. De olhos e ouvidos aguçados, São Francisco de Assis e Grande Amigo, índio xavante, ouvem os pedidos e aparecem perto de um rio que abrilhanta o alto da montanha. Com sua astúcia, Grande Amigo põe bocas na pedra e no monte alto, sons nos lábios dos protetores da natureza, vida e movimento no que é inanimado. Para ajudar Grande Amigo, Francisco começa a fazer uma oração.
– Ó Criador, nos faça instrumentos de vossa paz. Fazei com que, todos nós, possamos amar, ao invés de esperarmos sermos amados, pois é dando que se recebe.

Todos se alegram com a chegada dos dois, tão percebida como o espetáculo da alvorada. De repente, os amigos pássaros começam a prestar atenção no intenso monólogo. Cheio de raiva e dores internas, o monte reclama sobre sua vida, e sente inveja da onça.
– Estou aqui há anos sem sair do lugar, e o que ganho com isso? Tenho que disfarçar ser pedra, quando sou ser, fingir ser inanimado, quando sou parte de um todo consciente. Queria correr como você. Passar em volta das amigas árvores e beber a água que o amigo rio lhe dá.

Francisco e Grande Amigo chamam a amiga onça, para ajudá-lo. A onça, com seu intenso rajado, não se incomoda com o irmão, que apesar de ser tão grande e majestoso, não reconhece a gigantesca força que tem dentro de si. Ela aconselha o monte.
– Sinta a poderosa rocha que há em você. O seu ganho é a sua existência, tão prazerosa e completa se for bem vivida. Cada um de nós faz a sua parte. O rio dá a água sem esperar algo dos outros, porque sabe que ele se completa a cada dia, em sua confiança, em sua verdade. Honro a cada momento que vivo. Em seu seio, quantas vidas você sustenta? As amigas plantas e os demais amigos animais encontram em você uma casa para viver e glorificar o Criador. Sinta o amor que os seus amigos vibram. Você é um todo.

À sombra do monte, a boca de uma pequena pedra começa a se mexer.
– Caro amigo, o agradecimento dá força e nos prepara para o que nos aguarda.

A vibração de todos surte efeito e o alto do monte se encanta de alegria com a chegada de um lindo arco-íris. A plantas e os animais fazem pares. A harmonia retorna a casa, ao coração dos seres. A festa da vida é retomada, para manter os seus belos prazeres.

(*) Jornalista, folclorista e poeta de Campinas. Foi repórter de assuntos gerais nos programas Sexta Cultural, Fractal, Jornal da Educativa e Bom Dia Campinas, da Rádio Educativa FM 101.9 (www.campinas.sp.gov.br). Atualmente, é apresentador, repórter e produtor do programa de jornalismo educativo Ponto & Vírgula da Rádio Educativa em parceria com a Secretaria de Educação de Campinas. Colaborador do Portal Sorocult (www.sorocult.com), e colunista do Jornalzen (www.jornalzen.com.br), de Campinas.

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Sem palavras, por Rodrigo Ramazzini

Rodrigo Ramazzini (*)



- Meu amigo Joel, te prepara!
- Ué! Por quê?
- Olha pra trás e vê quem está vindo.
- Quem?
- Olha!
- Putz! Não acredito! Pior que ela está vindo aqui...
- A mulher é tua... Segura a fera! Será que vem te buscar?
- Com certeza! Vai fazer barraco de novo...
- Bah! Eu me lembro da última vez.
- Nem me fala! Nunca mais fui naquele bar de vergonha. Está perto?
- Arãn!
- Está com cara de braba?
- Não! Pelo contrário. Vem com um sorriso no rosto... Toda produzida... E...
- E o quê?
- Desculpa a indiscrição, mas a tua mulher está em forma, hein?
- Por que estás dizendo isso?
- A saia que ela está usando... Como posso dizer... Está deixando um belo par de coxas a mostra.
- Pára de olhar para a minha mulher, Fonseca!
- Foi só um comentário...
- Cadê ela?
- Ela... Ela... Ué! Cadê? Ah... Sentou-se em uma mesa lá perto do banheiro.
- Ai! Ai! Ai!
- O que foi?
- O que eu faço agora?
- Boa pergunta, meu amigo.
- Ela está olhando pra cá?
- Não! O garçom está lhe atendendo. Pediu uma cerveja pelo jeito...
- Meu Deus! Meu Deus! O que eu faço agora?
- Vai lá!
- Se eu for lá, ela vai querer vir sempre junto...
- E qual o problema?
- Acorda, Fonseca! Vê se eu quero vir pro boteco com a minha mulher...
- Fazer o quê...
- Fazer o que nada... Olha a mulherada na volta! Que pesadelo!
- Pois é...
- O que eu faço? O que eu faço?
- Ela está olhando pra cá!
- E?
- Acenou com o copo...
- Meu Deus!
- Olha Joel! Se eu fosse tu, eu iria lá... Já tens uns gaviões “rondando”!
- Não adianta mesmo, é aquele ditado: “mulher da gente é que nem Chuchu, não tem gosto, não tem cheiro, mas se tu não comer, os outros comem...”
- Joel e os seus ditados machistas! Vai lá se não quem vai se enquadrar em algum ditado de corno...
- Opa! Opa! Nem completa... Estou indo!

- Oi querida! Posso sentar?
- Não, Joel!
- Por que não?
- Porque não! Estou a fim de tomar uma cerveja sozinha. Não posso?
- Que palhaçada é essa, Marília?
- Por que palhaçada? Pode me dizer?
- Era só o que me faltava... Minha mulher freqüentadora de boteco.
- Ué! Por que só tu podes vir para uma mesa de bar tomar cerveja, hein? Qual o problema? Eu também gosto! Quantas vezes tu já chegaste em casa de madrugada, dizendo que só estava tomando uma cervejinha... Ingenuamente com os amigos...
- É... Hã... Hã... Hã!
- Pois é! Hoje é a minha vez...
- Mas...
- Mas nada! Pode saindo. Eu disse que não podia sentar... Essa cadeira vai ser ocupada.
- Está esperando alguém?
- Arãn!
- Quem?
- As mulheres dos teus amigos também já devem estar chegando...
- Como é que é?
- Isso mesmo que tu ouviste! A mulher do Breno, do Richard, do Guazzeli e até do Fonseca, que estava ali tomando cerveja contigo virão pra cá...
- Mas o que é isso? Complô das calcinhas?
- Ah! Toma.
- O que é isso?
- Ué! Não reconhece? A chave de casa...
- Pra quê?
- É melhor levar... Não precisa me esperar... Eu toco a campainha... Vou ficar por aqui tomando um choppinho ingenuamente com as meninas.

(*) Jornalista e cronista.

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Verão, por Talis Andrade

Talis Andrade (*)



Me espreguiço
no teu corpo
na doce dolên
cia da rede

Me espreguiço
no teu corpo
na doce sono
lência dos
cafunés e
dos ventos
mormacentos

(Do livro “Cavalos da Miragem”, Editora Livro Rápido – Olinda/PE).

(*) Jornalista, poeta, professor de Jornalismo e Relações Públicas e bacharel em História. Trabalhou em vários dos grandes jornais do Nordeste, como a sucursal pernambucana do Diário da Noite, Jornal do Comércio (Recife), Jornal da Semana” (Recife) e “A República” (Natal). Tem 11 livros publicados, entre os quais o recém-lançado “Cavalos da Miragem” (Editora Livro Rápido).

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Chuva, por Fabiana Bórgia

Chuva, por Fabiana Bórgia

Fabiana Bórgia (*)



Chove
uma chuva macia
e forte

Vinho
tinto
seco

Amor
forte
denso

Chuva, vinho, amor
combinação perfeita
tinto seco
paixão úmida

Calor
Colo
Paz

Tua presença:
um temporal

(Do livro “Desconexos”, Íbis Libris – Rio de Janeiro).

(*) Poetisa e advogada, fazendo especialização em Leitura e Produção Textual, autora do livro “Traços de Personalidade”

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Uma rosa, por Evelyne Furtado

Evelyne Furtado (*)



Você me deu uma rosa linda e mais uma vez viu o brilho nos meus olhos. Você vai dizer que não foi bem uma flor que me ofereceu e eu vou teimar como sempre faço. Foi uma rosa, sim.

Eu não me enganei, pois estava escrito com as quatro letras que a designa e outras tantas palavras confirmando que o presente que você me deu era uma rosa sensível, bela e impermanente. Tal como o amor.

Foi isso que o fez lembrar de mim o que amplia o significado do presente. Você conhece frente e verso de mim. Você sabe até onde sou capaz de ir e diz que eu pareço uma adolescente.

A propósito, pensei muito sobre isso. Lembrei que outras pessoas nos últimos dias duvidaram da minha idade e pasme: fui além da vaidade, questionando minhas atitudes.

Será que sou tão imatura assim? Será que meu comportamento não é adequado à mãe de uma arquiteta que tem a idade que eu tinha quando casei? Não achei uma resposta precisa.

Acontece que coração não tem rugas. Essa frase ouvi minha mãe dizer a uma amiga no telefone há algum tempo e hoje faz todo sentido. O meu coração tem cicatrizes, mas aposto que tem menos rugas do que o meu rosto. Talvez seja este o motivo de parecer uma adolescente aos seus olhos.

Um coração só envelhece quando perde a capacidade de sonhar e o meu não perdeu. Por isso você me deu uma rosa. Eu cultuo um sonho bonito e você faz parte dele.

(*) Cronista e poetisa em Natal/RN

terça-feira, 14 de abril de 2009

Ato de resistência, por Marcos Alves

Marcos Alves (*)



As palavras livres voam e pertencem, depois de lidas, a quem as compreende e interpreta. Surge então a figura do leitor, que ao emprestar ao texto suas impressões se torna parte do universo ali descrito.

Escrever é sagrado. Escrever é profano. Escrever é coisa do ser humano. Ato solitário, vontade de se expor, coragem de dizer aquilo que se pensa.

Mesmo quando mente ou inventa, o escritor se expõe. Faz isso de propósito, brinca com as sutilezas do cotidiano enquanto deixa aqui e ali suas angústias, desejos, ironias e frustrações.

O texto jornalístico não permite abstrações, sabemos. A indústria da informação precisa de conteúdo objetivo, direto e sem rodeios. Quando muito se permite ilustrar com personagens e histórias de vida os fatos reportados.

Mas a isenção nunca vai ser total, completa, afinal somos humanos e quando escrevemos geralmente falamos de nossos semelhantes. Nos envolvemos, mas só podemos dar nossa opinião depois do expediente ou na roda do cafezinho.

Isso é muito pouco para quem carrega dentro de si o amor pela Literatura. Esse tipo de jornalista quer mais, não se conforma com esse limite, procura então outros espaços onde possa expressar as imagens e histórias que lhe habitam a alma.

Longe de ser uma válvula de escape o ato de escrever é um ato de resistência. Quando saímos do ramerrão, da fórmula, da produção, enfim, da roda viva que é escrever como quem produz parafusos ou arroz; quando deixamos sobre o papel aquilo que realmente queremos deixar, adquirimos um pouco mais de dignidade.

O Literário é um desses lugares onde o jornalista encontra e descreve o ser humano em toda sua crueza e magnitude; sem restrições ou interferências. É por isso que estamos aqui e é para isso que se presta a nobre arte de encadear palavras. Falar de nós mesmos para nós mesmos sobre aquilo que somos. Não é pouca coisa.

(*) Jornalista

segunda-feira, 6 de abril de 2009

O “desafio” de Pedro, por Marco Albertim

Marco Albertim (*)



Pedro pediu, pediu-nos para escrever sobre o terceiro aniversário do Literário; lançou-nos, conforme ele, um “desafio”; algo que, feito, terá amadurecido o escritor; a si e ao espaço de sua escrita. Começo meio que constrangido, porquanto a desafios estão acostumados os poetas repentistas. Os repentistas têm na ponta da língua a resposta ao desafio, nutrem-se da porfia, são cúmplices nas acusações mútuas. Escrevo, eu, não por desafio, mas para reconciliar-me com o outro eu que carrego nos sentidos. Escrever é um desafio episódico, visto que se circunscreve em algum limite das 24 horas do dia, da noite. Estas sim, posto que somadas, darão chances ao feito da escrita. Acordar é um desafio, sobretudo na segunda-feira, como faço agora.

Acordo simulando felicidade, com alguma astúcia. Pedro, inda que longe, está à espreita; por certo já terá escovado os dentes. Depois de cevar-se no primeiro desjejum, assuntará o que nós ou alguns de nós estarão assuntando para o seu “desafio” – esperto, ele trajou o “desafio” com enfeites de pedido, deixou-nos ainda mais desafiados. Sinto-me como da primeira vez em que escrevi para o Literário, confuso, desjeitoso; mas embeiçado na tenção de tornar-me um colaborador; não um colunista; o colunista escreve como se estivesse fazendo a assepsia do busto de Coelho Neto a seu lado, junto de outros enfeites. Sem desmerecer Os pombos, conto belíssimo de Coelho. O encomendado a um amigo a compra de um busto de Machado de Assis, em São Paulo

O sacana encheu-se de chopes e esqueceu a compra; ele próprio um machadiano empedrado. Tenho, e com ele troco ideias, o sopro de um vento que Cirilo, o pescador que me vende o peixe, diz vir do sudeste; “...ele sempre vem do sudeste, por isso não precisamos fazer o bordejo para chegar ao local onde deixamos a rede”. Cirilo não sabe escrever, mas é tão objetivo nas rotas que faz inveja ao escritor apurado. O diálogo que tive com o vento, vindo do sudeste, acentuou-me o dever do ofício; de tal modo que fiz de Pedro o interlocutor, sem ajuizar a extensão de sua voz; imagino-a, agora, cava, combinando com a quadratura do rosto. E vejo-me com dezoito anos, no primeiro trabalho.

“Rapaz, vá ao banco depositar este dinheiro. Não esqueça de trazer o comprovante do depósito!” – advertira-me o gerente do escritório. Quando saí da sala, o outro boy chamou-me a um canto: “Se demorar ele pensa que você parou para ouvir o camelô falar...” O gerente me falou com a mesma voz que imagino ser a de Pedro, agora: “O desafio, rapaz!”

Parei para ouvir o camelô fazendo o pregão de um remédio para todas as curas. Um milagre na Praça da Independência! Com farmácias em volta, vendendo caro, remédios de cura duvidosa. O camelô me convenceu, queria estar doente, eu, para ser sua cobaia. Tempos depois, dei-me conta de que a oratória do camelô, longa, concisa, inda que na boca babona, era um discurso apurado, mais apurado que o arrazoado de um desembargador emaranhado em latins tardios. O camelô foi o primeiro homem a me impressionar com o uso das palavras. Pedro... Tenho saudades do camelô. Agradeça a ele, in memoriam, eu ter aceito o seu “desafio.” Obrigado, Pedro Bondaczuk.

(*) Jornalista e escritor. Trabalhou no Jornal do Commércio e Diário de Pernambuco, ambos de Recife. Escreveu contos para o sítio espanhol La Insignia. Em 2006, foi ganhador do concurso nacional de contos “Osman Lins”. Em 2008, obteve Menção Honrosa em concurso do Conselho Municipal de Política Cultural do Recife. A convite, integra as coletâneas “Panorâmica do Conto em Pernambuco” e “Contos de Natal”. Tem dois livros de contos e um romance.

segunda-feira, 30 de março de 2009

O céu por limite, por Pedro J. Bondaczuk

Pedro J. Bondaczuk (*)



“Os aniversários (principalmente os meus) sempre me empolgaram. Não adianta os pessimistas virem me dizer que cada novo ano que eu vier a completar devo, na verdade, lamentar, porquanto minhas possibilidades de deixar o mundo pela porta da morte aumentam. Não deixa de ser verdade, claro. Mas precisavam lembrar isso justo hoje?! Por que dar ouvidos a esses chatos, cassandras de mau-agouro, que vêem, em tudo e em todos, apenas o lado negativo? Eles que procurem outro para aborrecer”.

Foi com essas palavras que abri minha crônica de 20 de janeiro passado, quando completei mais um ano de vida. Gosto, de fato, de aniversários. Eles sempre me empolgaram. Ainda mais quando se trata do de um empreendimento que nasceu sob indisfarçável ceticismo (inclusive meu), com muita gente opinando que não iria dar certo. Deu! E como!

É com entusiasmo e, mais do que isso, com incontida euforia, que registro o terceiro aniversário do nosso Literário (com o perdão da rima, que foi involuntária). Tudo isso?! Como o tempo passa! A exclamação surge sincera e espontânea. Parece que foi ainda ontem que o José Paulo Lanyi me falou do projeto, que recebi com reservas (não minto), e que a editora do Comunique-se, Miriam Abreu, me convidou para ser o editor.

Embora não manifestasse abertamente, me assustei com o convite. Contudo, disfarcei, fiz um certo ar blasée, montei uma pose de auto-confiante e aceitei de pronto, sem relutâncias, a convocação (encarei-a dessa forma). Um bom soldado nunca foge à luta Por que não fugi? Por duas razões. A primeira, pelo respeito e carinho que sempre tive pelo Comunique-se, pelo Lanyi e principalmente pela Miriam. O segundo? Bem, o segundo é porque sou atrevido mesmo como ninguém e não costumo correr de desafios. Como bom gaúcho, gosto de “pelear”.

Minha primeira reação, contudo, longe “dos holofotes”, ou seja, das vistas alheias, foi de desânimo, principalmente quando vários ilustres jornalistas, da chamada “grande imprensa”, que haviam se comprometido com o projeto antes desse ser posto em execução, declinaram, na hora agá, do convite oficial. Convidei outros, não menos ilustres, que aceitaram de imediato. “Agora vai!”, exclamei.

Novos obstáculos. Vários dos novos convidados escreveram duas ou três colunas apenas e logo desistiram, pretextando “falta de tempo”. “Será que vai mesmo funcionar?”, perguntei, incrédulo, aos meus botões. E tome novos convites. E o quadro de colunistas foi, outra vez, reformulado. Dos vinte originais, sobraram, até hoje, apenas, quatro “heróis da resistência”: Fábio de Lima, Nei Duclós, Solange Sólon Borges e Urariano Mota. Quatro, convenhamos, que valem por quatrocentos milhões!!

Quando menos esperava, eis que completamos o primeiro ano de existência. Ainda assim, eu continuava cético com o projeto. Cético, mas determinado a não deixar a peteca cair. No segundo ano, novas desistências, novos convites e o Literário, aos poucos, foi se consolidando. Chegamos ao segundo aniversário já bem mais estáveis e minha dúvida inicial, quanto à viabilidade do empreendimento, começou a se dissipar, embora não de todo.

E eis que amanhã completaremos três anos no ar, sem nenhuma falha (a não ser aos sábados, domingos e feriados), sempre com cinco textos inéditos (o que não é para qualquer um). Não conheço nenhum espaço na internet com essa periodicidade e sempre, sempre, com crônicas, contos, poesias etc. novos e originais! Vocês conseguiram, seus danados! O mérito não é meu, logicamente, é dos que escrevem para este espaço.

Devo, sobretudo, reconhecimento aos inúmeros colaboradores espontâneos, que nunca me deixaram na mão, nos momentos mais críticos, quando tudo conspirava para determinar nosso fracasso. E não foram poucos, minha gente. Foram, até a data de amanhã (cuja programação já está fechada), 331 jornalistas e estudantes de jornalismo que nos honraram com sua prestimosa colaboração! É pouco? Claro que não!

Na impossibilidade de citar todos, nominalmente, cito os doze com maior participação e a respectiva quantidade de textos publicados: Eduardo Oliveira Freire (38), Luís Delcides R. Silva (27), Cecília França e Rafael Coelho (26 cada), Samuel Costa e Renan Oliveira (23 cada), Vitor Orlando Gagliardo (22), Sayonara Lino (21), Letícia Nascimento e Eduardo Ritschel (20 cada), Rodrigo Capella (19) e Flávio Tiné (15).

Abraço esses doze “heróis da resistência” e, com isso, espero estar abraçando a todos os 331 ilustres, participativos e dinâmicos colaboradores do Literário. Agradeço, também, aos tantos que se dispuseram a comentar os textos publicados, notadamente à médica Mara Narciso, figura que se tornou querida pelos colunistas pela sua constante, lúcida, pertinente (e sempre bem-vinda) presença em nosso espaço..

Diante desses números todos, e neste momento em que partimos para o nosso quarto ano de existência, meu sentimento em relação ao Literário muda da água para o vinho. Transforma-se do ceticismo inicial em absoluta fé no sucesso do empreendimento. Para mim, agora (parodiando o nome de um famoso programa de TV comandado pelo saudoso J. Silvestre), “o céu passa a ser o limite”.

(*) Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas), com lançamentos previstos para os próximos dois meses. Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com

quarta-feira, 25 de março de 2009

Poetas velhos e cansados, por Fábio de Lima

Fábio de Lima (*)



Quando os ponteiros dos relógios brasileiros marcarem 0h00 do dia vinte e sete de março de dois mil e nove (assim, escrito!), o espaço Literário, do Comunique-se, completará três anos de vida. Eu, Fábio de Lima, o contador de histórias, o escrevinhador de doces delírios, estarei dormindo. Durmo cedo, 21h00/22h00, e acordo cedo, 5h00/6h00, de segunda a domingo – hábito antigo que já percorre três décadas.

A data cairá na sexta-feira. Dia de trabalho árduo e de finalização de uma semana cansativa, como costumam ser as semanas do povo. Nenhuma festa envolvendo os colunistas do Comunique-se será feita. Churrasco, feijoada, dobradinha – nada. Coquetel com roupas elegantes, maquiagens mais carregadas, bebidas – não, esqueçam. Abraços, beijos, apertos de mãos – nada disso. Sorrisos, cumprimentos, tapinhas nas costas – nada, nada e nada.

Outros escritores, como eu, estarão dormindo quando o relógio da Igreja da Sé abençoar essa sexta-feira. Alguns estarão acordados escrevendo ou com insônia revirando sobre a cama. Os poetas estão ficando velhos, mesmo sem querer. Os textos guardados nas gavetas do mundo ou espalhados por cantos diversos carecem de carinho.

Sexta-feira, por desígnios do destino, não estarei em São Paulo, meu refúgio de cidadão brasileiro. Estarei em Fortaleza. Trabalhando sim, mas vivendo a vida também. Na sexta-feira esse meu texto já terá sido lido por quem desejou fazê-lo e, como não está em papel, nem para embrulhar peixe ele servirá mais. Nem para isso. O mundo não tem mais tempo para os poetas e só por esse motivo, único e exclusivamente, eles se cansam e envelhecem.

André Falavigna (BARBA!), estará vivo ou morto na sexta-feira? Nei Duclós pensará no que ao olhar-se no espelho depois de levantar-se? Celamar Maione colocará qual brinco antes de sair de casa? Daniel Santos comerá o que de café da manhã? Evelyne Furtado fará para quem seu primeiro telefonema? Marcelo Sguassábia olhará quantas vezes no relógio ao cair da tarde? Risomar Fasanaro terá tempo de encontrar sua amiga? Urariano Mota irá conseguir terminar de ler aquele livro sobre ufologia?

Caros amigos leitores do Comunique-se, e Pedro Bondaczuk? O que será que o homem que administra esse espaço Literário, com toda maestria do mundo, já faz três anos, estará fazendo na sexta-feira? E a Laís de Castro? E o Talis Andrade? E a Mara Narciso? E a Solange Sólon Borges? E o Eduardo Murta? E a Marleuza Machado? E o Seu Pedro – gente, onde estará e o que estará fazendo esse sertanejo defensor das letras e da poesia?

Na sexta-feira, às 19h57, estarei sentado na areia de uma praia cearense olhando, com olhos de enxergar, o mar. Estarei pensando o que seria do oceano sem cada gota d’água. Não sei onde vocês estarão e nem o que estarão fazendo nesse exato minuto da sexta-feira, vinte e sete de março de dois mil e nove, mas eu estarei feliz por ser quem eu sou e por sermos quem nós somos. Poetas velhos e cansados? Não, o tempo é uma ilusão. Somente poetas. Poetas e mais nada. POETAS!

(*) Jornalista e escritor, ou “contador de histórias”, como prefere ser chamado. Está escrevendo seu primeiro romance, DOCE DESESPERO, com publicação (ainda!) em data incerta.

segunda-feira, 23 de março de 2009

Tenha paciência, meu!, por Rodrigo Ramazzini

Rodrigo Ramazzini (*)



- Já terminou o banho?
- Arãn!
- Não deixa essa roupa suja no chão então! Coloca no cesto...
- Tá!
- Eu estou falando sério, Reginaldo! Eu não sou tua empregada...
- Mas eu respondi que coloco.
- Conheço bem este teu ar irônico!
- Mas...
- Mas nada... Oh meu Deus! Olhe o que fizeste? Olha pra o chão?
- O quê?
- Molhou todo o chão!
- Foram só uns pinguinhos...

- Quantas vezes eu vou ser obrigada a dizer para te secares dentro do box do banheiro, hein? Olha as tuas costas também! Toda molhada...
- Eu seco!
- Claro que tu vai secar! Pode pegar o pano lá no tanque...
- Estou indo, calma!
- Depois vem jantar... Porque não quero reclamação que a comida está fria...
- Mas eu nem falei nada!
- Mas pensou...
- Esse pano?
- Pode ser! Ali tem mais...
- Tá bom!

- Meu Deus! Hoje está difícil! Vou ter que tirar esse tapete daqui da sala mesmo...
- Por quê? Está tão bonito!
- Se eu não tirar, vou ter que pelo menos cortar as pontas...
- Por quê?
- Ainda pergunta! Pode me dizer como é que tu consegue enrolar a ponta do tapete toda vez que passa por ele, hein? Pode me explicar?
- Sei lá!
- Eu sei! É arrastando esses pés! Que preguiça para caminhar...
- Acho que...
- Acha nada! Vai lá te servir... Não se esquece de tampar as panelas...
- Putz!
- O que foi, Reginaldo?
- Deixei cair arroz no chão...
- Na cozinha limpa, criatura! É muita de falta de consideração!
- Mas foi um acidente!
- Sai pra lá que eu limpo! Saí...
- Calma! Que coisa... Até perdi a fome com essa tua irritação... Vou me deitar.
- É o melhor que tu fazes!
- Boa noite!
- Te some da minha frente! Me faz esse favor...

Minutos depois. Na cama...

- Acordado ainda?
- Sim! Maria Clara...
- Também!
- Também o quê?
- Quem é que vai conseguir dormir com uma televisão neste volume!
- Bah... Desliga então!
- Lógico que eu vou desligar!
- Desliga para ficarmos no escurinho...
- Pra quê?
- Vem cá, vem!
- Saí para lá!
- Aí amor...
- Saí pra lá! Não estou a fim de nada contigo hoje! E passa esse edredom para cá que estou com frio!
- Mas...
- Mas nada! Saí pra lá! E outra: se tu me destapar esta noite tu vai ver...

Ao amanhecer...

- Maria clara!
- Oi amor! Estou na cozinha...
- Ah tá!
- Não levanta ainda! Estou chegando...
- O que é isso?
- Um cafezinho na cama para o meu amor! Dá um beijinho de bom dia! Smack! vjjj!
- Smack! vjjj! Bom dia!
- Preparei um café com tudo que gostas! Olha...
- Acordou inspirada, hein? Gostei da surpresa!
- Arãn! Acordei me sentindo outra mulher!
- Que bom!
- Tem mais...
- Ah é! O quê?
- Olha...
- Hum... Calcinha nova, hein? Hum... Tá querendo, né? Vem cá, vem!
- Calma, amor!
- Calma por quê?
- Não posso! Veio...
- Veio o quê?
- Ora, Reginaldo! O quê? Estou naqueles dias! A minha menstruação...

(*) Jornalista

terça-feira, 17 de março de 2009

Retribuição, por Rodrigo Ramazzini

Rodrigo Ramazzini (*)

Em uma pescaria.

- Bah! Estava precisando dar comida aos peixes. A minha mulher quer me matar...
- Capaz! Por quê?
- Vou te contar a estória: eu estava sozinho em casa. A Cleuza tinha ido a um instituto de beleza. Olhava um jogo na Sky, quando escutei um barulho, como se algo se despedaçasse no chão...
- E aí?
- Aí eu corri na cozinha e encontrei no chão, em caquinhos, um vaso da Cleuza. Herança de família, mas nada de valor. Sabe dessas coisas que mulher se agarra sem explicação?

- Sei!
- Pois é! Era a Cleuza e o tal vaso...
- Mas quebrou muito? Não dava para colar?
- Mas que jeito! O troço se despedaçou de uma maneira, mas de uma maneira, que eu iria passar um ano e não iria conseguir juntar as partes...
- Tá! Mas como ele caiu no chão?

- Rapaz! Não é que foi a praga do cachorro. Um passarinho entrou na cozinha por uma janela que estava aberta e não conseguia sair. O cachorro enlouqueceu tentando pegar o bicho. Pulou pra cá, pulou pra lá e bateu na mesa de jantar, onde estava o tal do vaso, aí se deu o estrago...
- Tá! Só não entendi uma coisa ainda: por que a tua mulher está braba contigo se foi o cachorro?
- Calma! Vou chegar lá...
- Continua!

- Bom! Como eu não tinha mais nada a fazer, apenas limpei os “restos mortais” do vaso do chão e esperei a Cleuza chegar...
- Que ficou uma fera?
- Mais que isso!
- E aí?
- Aí ela chegou, conversou um pouco e foi na cozinha. Só ouvi um grito! Daí ela veio bufando para o meu lado...
- E aí?

- Aí logicamente já veio cheia de perguntas: “como tinha quebrado?” “Quem tinha quebrado?” E coisa e tal...
- E tu?
- Eu assumi o estrago! Disse que tinha batido na mesa, tentando tirar o tal passarinho para rua e ele caiu.
- Tu estás louco homem? Por que tu fizeste isto?
- Retribuição a um amigo! Outro dia eu rasguei uma almofada da Cleuza com as unhas dos pés e o cachorro assumiu!

(*) Jornalista.

segunda-feira, 9 de março de 2009

Mulheres de Chico, por Evelyne Furtado

Evelyne Furtado (*)



Nenhum homem canta melhor as mulheres do que Chico Buarque de Holanda. Chico cantou e canta todas nós em todas nossas matizes. De Carolina a Geni. Da Rita à mãe do Meu Guri. Encontro-me em seus versos, banhada pelo luar ou usando açúcar e afeto para você parar em casa.

Sou Joana Francesa e a dona do Folhetim. Já fui quase uma das Mulheres de Atenas e olhei nos seus olhos para ver o que você dizia. Já vi a Banda passar cantando coisas de amor. Até vi Boi Voador. Vi-me sem um pedaço de mim e nunca uma saudade doeu tanto.

Fui Maria, a princesa, o brinquedo e uma das três noivas do cowboy. Também fui deixada em uma ladeira do Bonfim e não devolvi seu Neruda, que você não me emprestou. Cantei Olé Olá e esperei o samba para não chorar.

Queimei meus navios e já não sabia mais nadar, quando tuas mãos ainda estavam em meu seio e era hora de partir. Como se “Eu Te Amo” tem uma das mais lindas letras da Música Popular Brasileira? Para mim a mais bonita sim. Mas nada que Chico escreveu chega longe da beleza. Nada! Nem mesmo o sonho medonho, pois se encerra ternamente com um apelo para o aconchego.

E fico por aqui, lembrando quantas vezes falei que o meu amor tem um jeito manso que é só seu, que me deixa louca, quando me beija a boca. Lembro ainda nas outras tantas que pedi para que o menino viesse sem fantasia, pois da noite para o dia ele não cresceria. Nem eu, eternamente a menina de onze anos como no dia em que vi aqueles olhos tímidos no saguão do aeroporto aqui em Natal.

Obs.: Este texto nasceu depois de assistir mais uma vez o musical Mulheres de Holanda. Ousei brincar com as letras do poeta genial e querido Chico Buarque. Com sua licença, moço dos olhos do mar.

(*) Cronista e poetisa em Natal/RN

terça-feira, 3 de março de 2009

As Pretinhas do Congo, por Marco Albertim

Marco Albertim (*)



A água do rio Goiana não refletiu as cores da bandeira d’As Pretinhas do Congo; não neste carnaval. Justo no ano em que o bloco conseguiu dois mil reais da Fundarpe, para mostrar sua devoção à iabá que a protege. Trinta negros, entre homens e mulheres, a maioria moços, usando roupas vermelhas e negras, puseram-se entre o rio e a casa. A bandeira, abrigada na sala, apoiada na parede feito um altar; a ponta, em cima, alcançou o telhado. Valdo, o pescador, pusera-a ali para, no culto ruidoso que faz em homenagem ao orixá, aumentar a força da divindade; sentir, ele, os benefícios no fundo do jereré içado do rio. Pusera-a antevendo siris, camarões, pitus, peixes miúdos. Fora tecelão o negro de 71 anos. A fábrica fechou, faliu, ele virou pescador, forçou-se dentro de uma canoa, no manejo do remo, inda que a usina tenha tingido a água com a calda da cana.

Ele grita com as moças que chegam atrasadas, grita e tira do bolso uma bisnaga com perfume, o extrato comprado na feira; espirra-o nas costas, no pescoço de cada uma. Às quatro da tarde, o cheiro do azedo massapê, vindo do canavial, ainda invade o casario. As negras, perfumadas, não sentem mais a calda que mata o cundunda; magras, esquecem a fome; montadas em cambitos, com força para se espremerem na rua estreita, de ladeira de subida. Há uma grávida, de rosto amarelo, os dentes expondo a alegria; a prenhez inchou-a nas pernas; ouvirá aplauso e ninguém para fazer pouco de seu rosto impaludado.
- Todo mundo em forma! – grita Valdo.

O rosto do negro é tisnado de sinais sob os olhos; o chapéu de feltro, preto, é o mesmo que usa o ano inteiro; camisa vermelha, calça preta, combinando com o traje das moças.

Valdo passa o ano sem gritar. No domingo de carnaval, desde o distante ano 51, grita feito um capitão-do-mato. Não foi escravo, mas o pai por certo fora vergastado pelo capitão do banguê.
- Vixe...! Seu Valdo tá é estressado! – diz a moça que segura a bandeira.

É uma negra com dezessete anos; veste-se como as outras; no penteado, dividira os cabelos no meio da cabeça, curvando-o para cima, para os lados, endurecendo-o com o laquê. No aplauso, não terá ninguém para fazer pouco do artifício na cabeça crescida pelos cabelos. É nova no estandarte, não sabe que está escrito 1936, o ano da fundação; sabe que carrega o distintivo de sua raça, do que assuntaram na seroada da calçada, olhando a cumplicidade muda do rio. Sabe que a bandeira é verde, vermelha, tem letras amarelas e listras brancas, como um dia será sua rotina cinzenta.

Trrrrrrr... Valdo trina o apito; ele mesmo puxa o canto. Não é um frevo, lembra um samba de feitio primitivo, de quem se orgulha de ter posto a nação para o povo apreciar.

“Quem disse que as Pretinhas não saía...” – Não é um tropeço na concordância, é uma minúcia que dá conta do paradeiro do autor; acomoda-se aos rostos magros, à frouxura das roupas; minúcia plástica.

A nação põe-se a andar, sem olhar para o aumento das águas com as últimas chuvas. A vegetação vinda da camboa longe dá sinal de que há vida no rio; menos mal. Algum dia não haverá despejo de calda.

As negras repetem o canto. Dona Biu chegou por último, levantando a barra da saia para não embeber-se nas poças. É a única que usa blusa e saia brancas, prateadas. Põe-se atrás do rei e da rainha. Vende fumo num banco de feira, usa-o no seu cachimbo bronco, mesmo no desfile da nação; só tira-o da boca quando repete o canto, segurando-o com a mão levantada, perto da boca. É a mais velha. O capitão-do-mato não a repreende, ele mesmo um useiro do fumo de rolo.

Pulam, dançam. O capitão não se permite um pulo. Respeitam-no porque seu passo é de comando. O rei e a rainha, de amarelo, não dançam; andam ouvindo a corte sacudindo o maracá, balançando o colar branco, o turbante da mesma cor. Não reparam no cortejo, posto que os súditos, reverentes, já os têm sob cuidados.

O pano branco sobre o ombro de Valdo não compõe o personagem, inda que não seja estranho a ele nem à corte. Não o mostra como uma prerrogativa, pendura-o como um direito do ofício de recompor uma nação, dotar-lhe do traço comum, avivar-lhe a memória. Ele aviva a sua removendo o suor da testa, depressa para o pano não toldar a sonoridade do canto; também usa um colar, duas enfiadas com contas de couro; o traço distingue-o dos outros.

Tem dez filhos, ele. Nenhum se mostra no desfile, e todos o seguem misturando-se ao povo nas calçadas.

Na rua Direita, o palanque fora erguido em frente à prefeitura; é uma rua larga, a vitrine dos mais de quatrocentos anos de Goiana. O locutor anuncia a chegada das Pretinhas. Há pouca gente. Anuncia secretários, prefeito; com pompa na voz, não conhece a história do bloco, sua síntese com cultos iorubanos; refere-se a Heleno, o negro fundador da nação Pretinhas do Congo. Tem afetação na voz, fala descombinando-se do feitio despojado de Valdo, de dona Biu, da porta-estandarte que, a sós com ele, vexar-se-ia. Cinco horas, fim da tarde, a nação se desfaz. Valdo mantém-se à frente. Na terça viajam para se mostrarem noutro município. Descem para o baldo do rio, de onde vieram. Se não chover, haverá a lua para alumiar-lhes a seroada. Valdo tomará cachaça como chefe de uma nação que obteve o respeito do minguado povo que o aplaudiu. Ele, os filhos, dona Biu; e Quitéria, a porta-estandarte.

(*) Jornalista e escritor. Trabalhou no Jornal do Commércio e Diário de Pernambuco, ambos de Recife. Escreveu contos para o sítio espanhol La Insignia. Em 2006, foi ganhador do concurso nacional de contos “Osman Lins”. Em 2008, obteve Menção Honrosa em concurso do Conselho Municipal de Política Cultural do Recife. A convite, integra as coletâneas “Panorâmica do Conto em Pernambuco” e “Contos de Natal”. Tem dois livros de contos e um romance.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Demasiado humano, por Marcelo Sguassábia

Marcelo Sguassábia (*)



Atlas levava o mundo nas costas, e eu inadvertidamente acabei me transformando na versão atualizada do personagem mitológico. A diferença é que Atlas não tinha cobrança, nem a mídia no encalço, nem uma crise que pegou o atlas – desta vez geográfico – inteiro no contrapé. Tudo bem, eu quis que fosse assim, eu escolhi esse objetivo e exauri as forças que tinha e as que não tinha para alcançá-lo. Fiz acordos, abri concessões, renunciei a mim para ser o que agora sou.

Como eu já imaginava, é mesmo muito solitário ser tão absurdamente poderoso. Solitário a ponto de você não se conceder o direito de pensar um pouquinho com seus botões sem que de imediato apareça um arsenal de costureiras para pregá-los.

A uma entidade messiânica como eu não se dá a prerrogativa de estar a sós com quem quer que seja, nem comigo mesmo. Esta é a questão, ou talvez a contradição: a solidão do poder é tamanha que não abre a possibilidade de se ficar sozinho, nem para ir ao banheiro. Você é isolado do cotidiano feito um vírus no laboratório, mas junto com 150 cientistas que não tiram o olho do tubo de ensaio.

Sou o ícone de uma sociedade que não admite que eu me socialize espontaneamente e seja simplesmente um homem de bem, vacinado, protestante e pagador dos meus impostos. Imagino que haja milhares de pessoas pelos quatro cantos do planeta rezando neste momento pelos meus futuros atos. Só eu não posso ter carne e osso e pedir por mim – alguém certamente estará na escuta, ainda que seja inaudível a prece.

Eu posso criar e destruir fronteiras com a mesma caneta que, se dependesse de mim, estaria agora fazendo palavras cruzadas, o jogo da velha ou qualquer outra bobagem que não me forçasse a mudar a vida de ninguém. Confesso que durante o pronunciamento de ontem, enquanto falava solene e pausadamente para a câmera, tinha a mão direita dentro da gaveta de minha mesa. Segurava firme a foto em que estou no colo de mamãe, era uma maneira de me sentir forte, como se o retrato fosse uma âncora a me salvaguardar no mar intempestivo.

Sou um emblema, um deus de ébano pretensamente redentor dos males da humanidade, e transformei a rotina anônima e sem ostentação de minha mulher e de minhas filhas no filé dos paparazzi. Abro meu laptop e tenho vontade de deletar sem ler, como se fosse spam, o mais recente relatório confidencial enviado pelo Secretário de Defesa.

Queria muito, como todo americano praticante de golfe e comedor de pasta de amendoim, jogar paciência durante o expediente sem ser visto pelo chefe. Pois juro, como jurei sobre a Bíblia outro dia, que meu sonho de supremo mandatário é ter um chefe a quem seja obrigado a prestar contas de meia em meia hora, que perca as estribeiras comigo, que me xingue de incompetente e corpo-mole, mas que pertença a uma instância superior à minha e me diga o que deve e o que não deve ser feito. Estar no topo do organograma pode muito bem ser pior que estar abaixo da linha de miséria. Náuseas de tudo e ânsia de ser Barack, e só Barack de novo.

(*) Redator publicitário há mais de 20 anos, cronista de várias revistas eletrônicas, entre as quais a “Paradoxo”

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Despiste, por Rodrigo Ramazzini

Rodrigo Ramazzini (*)



- Alô...
- Oi amor!
- Pode falar agora, Carlos Alberto?
- Ai ai ai! Com esse tom de voz, estou vendo tudo... O que foi dessa vez, Renata?
- Precisamos conversar.
- Fala...
- Pessoalmente é melhor.
- Sobre o que seria? Qual assunto?
- O de sempre: nós! Nossa relação...
- Mais especificamente?
- Já disse! É melhor pessoalmente.
- Espera eu chegar em casa e conversamos. Pode ser?
- Não! Não quero discutir na frente das crianças... Vamos a outro lugar.
- Quem disse que vamos discutir?
- Com certeza vamos, Carlos Alberto!
- Não sei! A coisa é tão séria assim?
- Pode acreditar que sim!
- Me adianta o assunto pelo menos... O motivo...
- Tanto faz tu saberes agora ou não, Carlos Alberto! A tua atitude será como nas anteriores: negar! Negar! E negar mais uma vez! Mas dessa vez vai ser diferente...
- Ah, não! Meu Deus! Eu não acredito! É o que estou pensando?
- A consciência já pesou foi?
- Essa história de novo, Renata?
- Não falei! Já começou a negar...
- Renata! Quantas vezes... Putz! Quantas vezes eu já te disse que não tenho uma amante, hein?
- Desta vez te viram saindo do motel, Carlos Alberto!
- Me viram! Quem? Posso saber?
- Lógico que eu não vou dizer!
- Está mentindo, Renata!
- Não me irrita, Carlos Alberto! Não me irrita mais do que eu já estou... Estou louca para voar nesta tua cara!
- Calma! Como vamos sair para conversar contigo nervosa deste jeito?
- Está certo! Está certo! Por incrível que pareça...
- Mas eu não tenho uma amante, viu?
- Depois nós conversamos sobre isso, Carlos Alberto! Eu não vou me alongar mais nessa ligação... Me encontre naquele restaurante perto da praça central depois das nove. Pode ser? Já avisei a empregada para ficar com as crianças...
- Pode ser! Eu vou ficar um pouco mais tarde aqui na empresa mesmo. Daí irei direto pra lá...
- Combinado então! Até lá. Tchau!
- Tchau!

Encerrada a ligação, Carlos Alberto no escritório comenta com um colega:

- Renata no telefone. Desconfiada de novo que tenho uma amante. Ciumenta que só ela! Vamos conversar em um restaurante depois do expediente. Mas com certeza vai ser igual as outras vezes. Conversamos um tempo e acabamos na cama. Por incrível que pareça, nestas crises de ciúmes é que me sinto amado!
- Com amante! Logo tu, Carlos Alberto? Sério desse jeito... Se fosse eu tudo bem! Mas tu não!
- Pois é, meu amigo! Mulheres! Quem entende...

Simultaneamente, Renata no carro com o amante, verifica as horas e diz:
- Pronto! Temos até ás 21h...

(*) Jornalista e cronista

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Amor em silêncio, por Fábio de Lima

Amor em silêncio, por Fábio de Lima

Fábio de Lima (*)



- Você só tem 19 anos.
- Isso agora é problema?!
- Não, não estou dizendo isso.
- Está dizendo o que, então?!
- Só penso que você pode namorar alguém da sua idade. Agora nossos 13 anos de diferença são perfeitamente contornáveis, mas, em nossa velhice, serei 13 anos mais velho que você, e isso será uma grande diferença.
- Você está querendo terminar nosso namoro e não está com coragem de dizer?! É isso?! Fala, Flávio!
- Não, não estou querendo terminar. Não é isso.
- É isso sim! Seja homem para assumir!
- Não, você está imaginando coisas.
- Não, não estou! Você que está fazendo rodeios para dizer algo que está claro! Você cansou da menininha, né?! Eu sabia que você uma hora ia cansar! Você sempre falou que beleza física para você não era o mais importante. O fato de eu ser jovem, bonita, te atraiu, mas agora só isso não basta, não é?!

- Érika, a gente viveu um relacionamento lindo. Ficamos juntos por três anos, mas agora a gente anda brigando por tudo. Não faz sentido isso, entenda!
- Eu sabia! Eu era mais nova e ainda boba! Então, você me usou e agora se cansou de mim! Me falaram que isso ia acontecer! Me falaram tantas vezes! Meu Deus, como fui idiota!
- Idiota você está sendo agora, Érika! A gente tem brigado tanto que eu já não tenho certeza se nos amamos. Como é possível amar e brigar tanto assim?!
- Eu te amo, Flávio! Eu te amo muito!
- Será?! Ou será que você acha que ama?! Você nunca conheceu um outro homem! Nesse momento eu sou tudo que você conhece e por isso sou o melhor, o mais encantador, o mais bonito...! Na sua cabeça eu sou o homem ideal! Mas, daqui algum tempo você pode nem lembrar que eu existo!
- Não, eu sempre vou te amar!
- Você não sabe!
- Sei sim! Tenho certeza!
- Você não tem certeza de nada, Érika!
- Tenho certeza, sim! Tenho certeza sim, Flávio! Eu não sou uma menininha idiota! Você quer me abandonar! Você deve já ter outra, não é mesmo?!
- Não dá para conversar com você, Érika! Chega! Estou saindo!

Flávio pegou o celular sobre a mesa, as chaves, a carteira, e saiu batendo a porta. Érika chorava compulsivamente caída ao sofá da sala – enquanto a TV alta servia desde o começo da briga para encobrir os sons da desesperança. Todos os familiares de Érika foram contra o inicio daquele relacionamento. Como podia uma garota de 16 anos namorar um homem de 29? Todos da família de Flávio também foram contra. Como podia um homem de 29 anos namorar uma garota de 16?

Flávio sempre teve certeza do amor por Érika e nunca deu ouvidos para os comentários alheios. Érika também amava Flávio e, mesmo sendo muito jovem, tinha certeza que ele era o homem de sua vida – o futuro pai de seus filhos. O casal viveu muito bem nos dois primeiros anos juntos. Aliás, deixaram de ser namorados para ser casados – dividirem o mesmo lar e dividirem, também, todos os planos de futuro. Mas os últimos meses não foram como os dois esperavam e as brigas se tornaram uma constante na vida do casal.

Então, depois de tudo, Érika, abandonada naquele apartamento, soluçava de tanto chorar e se sentia triste, magoada e usada. Flávio, perdido em seus pensamentos, caminhava em direção a casa de seus pais, sete quarteirões ao sul. Érika parecia desesperada. Flávio parecia muito triste. O céu ficava escuro naquela tarde de verão e a chuva se aproximava rápido. Érika caminhou até a sacada do apartamento e olhou o céu. Flávio atravessou a rua correndo e olhou o céu. Gritos desesperados ecoaram no prédio. Gritos desesperados ecoaram na rua. Érika e Flávio se encontraram no silêncio. E no silêncio eles sempre se amaram.

(*) Jornalista e escritor, ou “contador de histórias”, como prefere ser chamado. Está escrevendo seu primeiro romance, DOCE DESESPERO, com publicação (ainda!) em data incerta.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Sensível diferença, por Sayonara Lino

Sayonara Lino (*)



Acordei e iniciei um dia como tantos outros. Senti frio, ventava um pouco, uma leve brisa. Caminhei em direção à sacada de meu apartamento, com o intuito de absorver os raros raios de sol que teimam em surgir vez ou outra.

Ao chegar lá, observei, a uma certa distância, o apê que fica em frente ao meu. Aquilo sim pode ser chamado de lar, se minha intuição estiver correta. O belo casal havia chegado recentemente ao condomínio. Em clima de romance, desfrutava de um farto desjejum, ao lado de uma linda planta que cobria parcialmente o ambiente, agregando um ar bucólico em meio ao concreto.

Havia orquídeas que conferiam zelo àquela mesa repleta de guloseimas, àquele café pretinho, enfim, uma composição perfeita para entrar em harmonia com o cosmos. Ele colocava pequenos nacos de queijo Minas em sua boca. Ela retribuía o gesto com sorrisos e gracejos, mexendo em seus longos cabelos para lá de escorridos. Ambos estavam em uma sintonia invejável, exalando uma química explosiva!

Perdida em meio a pensamentos de admiração, meu olfato me capturou e fui obrigada a encarar minha realidade. Um cheiro ruim e familiar contaminava o ambiente. Era a massa marrom e cotidiana que saiu de minha cachorrinha hiperativa com sintomas esquizo-afetivos. Do quarto, minha mãe com seu costumeiro mau-humor, chamou-me para que eu levasse seus remédios. E enfatizou: “vê se Nick fez alguma coisa por aí, principalmente na sala, é muito chato os vizinhos virem”. Necessidade de aprovação alheia, ela não perde essa mania.

Tive vontade de chorar. Por que será que o destino não me presenteou com o uma cadelinha felpuda de bons modos, o homem quase irreal de tão gentil, os cabelos lisos e esvoaçantes da bela moça que desfrutava um momento tão agradável? Seria Karma? Não, são as escolhas. Não procurei saber se a raça da minha cadelinha fofa e anti-social se adaptaria a um espaço restrito e se seria fácil educá-la. Talvez um sítio fosse melhor para ela ficar mais à vontade. Quanto ao homem dos sonhos, melhor cair na real. Eles costumam te acordar com afagos mas à noite roncam e viram para o outro lado. Já a bela cabeleira da moça, bem, não se pode lutar contra o determinismo genético. Ela teve sorte. Então, aceite seus cachos ou corra para o salão mais próximo: com o advento da escova progressiva, sua franja não irá arrepiar e você poderá, enfim, sacudir suas melenas ao vento.

(*) Jornalista.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

O Amor e a incógnita, por Silvana Alves

Silvana Alves (*)



Ah, o amor... quatro letras e “zilhões” de incógnitas.

Parada olhando para a imensidão azul do céu tento decifrá-lo, mas não consigo. Com minha santa ingenuidade fico pensando; do que é feito o amor? Porque os amores se acabam e ficamos com outros “zilhões” de questionamentos?

Perguntei para as nuvens, que mais pareciam um monte de algodão branco e doce, prontos para derreter em minha boca. Mas as respostas não vieram, e mais uma vez fiquei decepcionada com tamanha falta de consideração daquelas nuvens que tanto admiro.

Então fui a algo concreto, olhei o dicionário, que para muitos é considerado “o pai dos burros”. Se realmente for eu sou totalmente uma. Mas, acredito que um dicionário é o pai da inteligência sábia e simples. Entre tantas descrições sobre as palavras fiquei com a que mais senti intimidade.

AMOR: Sentimento de dedicação absoluta de um ser a outro ser ou a uma coisa. INCÓGNITA: Aquilo que é desconhecido e se procura saber. Meu Deus! – exclamei – O amor é uma incógnita?! Claro que a resposta não veio. Mas, comecei a lembrar dos meus amores passados. Todos se acabaram seja por falta da sinceridade, confiança, até mesmo do amor, ou porque ele teve que partir.

Aí pensei: “O AMOR é tão bom!” É tão bom amar e ser amada! Mas ainda desconheço o por quê eles se vão ou acabam. Então constatei que o amor é uma incógnita. Ele não tem explicação. Nem mesmo os dicionários escritos em todas as línguas podem explicar. Porque a explicação é superficial. E o amor é sentimento, é doçura, é mistério.... é uma incógnita maravilhosamente gostosa de sentir e ter.

(*) Estudante do 4º ano de Jornalismo das Faculdades Integradas Teresa D'Ávilla (FATEA), de Lorena-SP. Blogueira: www.silvanacasalves.blogspot.com

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

O caldeirão, por Luís Augusto Cassas

Luís Augusto Cassas (*)



o que aconteceu?
por mais que o abismo
sorrisse olhos de orfeu
à luz confessemos:
grávidos gravitamos
no fogo de Deus

mas os planetas
em proximidade
abriram florestas
nas identidades
e o vento disse às centelhas:
as brasas – elevemo-las

no intenso carrossel
o eros se ergueu
adoeceu philia
o ágape se perdeu
a mágica poção
de sol veu-se

(Do livro “A mulher que matou Ana Paula Usher”, Imago Editora – Rio de Janeiro).

* Poeta de São Luís/MA.