segunda-feira, 30 de junho de 2008

Demenciais, por Solange Sólon Borges

Solange Sólon Borges(*)



Há enigmas que não decifro.
Quando brutalmente entra
e me ama,
alagando-me,
é preciso cuidado
para não esmagar os anjos esquecidos
dentro das empoeiradas caixas vazias.

Somos espectros do que sonhamos
nas épocas de danação.
Nos limiares da dor e do prazer,
encobrimos com asas carcomidas
nossas mais secretas armadilhas.

Amar é ser Deus minimamente.
É combater.
Eu não teria podido.

(*) Jornalista, dedica-se a diversos gêneros literários. Entre outras atividades, atua em alguns programas “O prefácio”, sobre livros e literatura. Um deles é o programa Comunique-se, levado ao ar pela TV interativa ALL TV (2003/2004). Apresentou, também, “Paisagem Feminina”, pela Rádio Gazeta AM (1999), além de crônicas diárias na Rádio Bandeirantes e na Rádio Gazeta — emissoras das quais foi redatora, repórter, locutora e editora.

quinta-feira, 26 de junho de 2008

A solidão de uma vida feliz, por Natália Alves

Queremos isso e mais aquilo e mais aquilo outro e assim repetidas vezes. Temos necessidades, mas será que são todas nossas? Beleza, erotismo, felicidade, saúde, atenção e identificação, tudo que é preciso para viver em sociedade.

Somos belos, mas o creme facial da propaganda pode acabar com as espinhas nos deixando com o rosto da jovem loira e linda que vende o produto na TV. As cirurgias podem modificar toda a estética de um corpo esquecido, julgado inferior. Tudo se pode em prol das necessidades, tudo se consome em prol delas e tudo se refaz para a satisfação do outro.

O outro é quem nos julga, nos altera, nos diz o que fazer, nos permite pertencer a algo e nos permite sonhar. Nos identificamos e vivemos o imaginário ideal que nos é oferecido, aceitamos as necessidades do outro como se fossem nossas e agradecemos por pertencer. Somos felizes! Não importa o que é preciso fazer para alcançar a felicidade, o que importa é ser alguém para o outro.

Queremos atenção! Suplicamos por atenção! É necessário comprar a calça jeans usada pela "mocinha" na novela para pertencermos. Precisamos ser ouvidos, necessitamos ser vistos e sentidos. Somos belos depois de um dia no salão de beleza, somos eróticos depois de assistir um filme pornô, somos felizes depois de suprir necessidades, que não sabemos se as temos, somos saudáveis quando somos belos, temos atenção quando pertencemos e nos identificamos com o outro.

Sonhar com uma vida perfeita, o marido amável e rico das novelas, vida social agitada igual a das celebridades, cabelos longos e lisos produzidos pelas progressivas, chocolates, chapinhas e por aí vai, comer pouco ou, até mesmo nada, para que os ossos à vista mostrem nossa dedicação aos padrões de beleza, olhar para o outro e desejar ser o que não é, viver a vida que agrade ao grupo ao qual pertence. Isto é a vida perfeita deste mundo consumista. Esta é a realidade ideal para um mundo alienado. Esta é a solidão de uma vida "feliz".

(*) Estudante de Jornalismo da Facha – Rio de Janeiro

A solidão de uma vida feliz, por Natália Alves

Queremos isso e mais aquilo e mais aquilo outro e assim repetidas vezes. Temos necessidades, mas será que são todas nossas? Beleza, erotismo, felicidade, saúde, atenção e identificação, tudo que é preciso para viver em sociedade.

Somos belos, mas o creme facial da propaganda pode acabar com as espinhas nos deixando com o rosto da jovem loira e linda que vende o produto na TV. As cirurgias podem modificar toda a estética de um corpo esquecido, julgado inferior. Tudo se pode em prol das necessidades, tudo se consome em prol delas e tudo se refaz para a satisfação do outro.

O outro é quem nos julga, nos altera, nos diz o que fazer, nos permite pertencer a algo e nos permite sonhar. Nos identificamos e vivemos o imaginário ideal que nos é oferecido, aceitamos as necessidades do outro como se fossem nossas e agradecemos por pertencer. Somos felizes! Não importa o que é preciso fazer para alcançar a felicidade, o que importa é ser alguém para o outro.

Queremos atenção! Suplicamos por atenção! É necessário comprar a calça jeans usada pela "mocinha" na novela para pertencermos. Precisamos ser ouvidos, necessitamos ser vistos e sentidos. Somos belos depois de um dia no salão de beleza, somos eróticos depois de assistir um filme pornô, somos felizes depois de suprir necessidades, que não sabemos se as temos, somos saudáveis quando somos belos, temos atenção quando pertencemos e nos identificamos com o outro.

Sonhar com uma vida perfeita, o marido amável e rico das novelas, vida social agitada igual a das celebridades, cabelos longos e lisos produzidos pelas progressivas, chocolates, chapinhas e por aí vai, comer pouco ou, até mesmo nada, para que os ossos à vista mostrem nossa dedicação aos padrões de beleza, olhar para o outro e desejar ser o que não é, viver a vida que agrade ao grupo ao qual pertence. Isto é a vida perfeita deste mundo consumista. Esta é a realidade ideal para um mundo alienado. Esta é a solidão de uma vida "feliz".

(*) Estudante de Jornalismo da Facha – Rio de Janeiro

quarta-feira, 11 de junho de 2008

Ausência, por Aliene Coutinho

Aliene Coutinho (*)



Te sinto ao meu lado,
embora não te veja.
Percebo teus movimentos
leio teus pensamentos
vejo teu olhar,
e tu estás distante.
É ausência
presente,
energia,
fluido
que se sente,
se ressente.
Volta logo!

(*) Jornalista e professora de Telejornalismo

segunda-feira, 9 de junho de 2008

Para uma nova idade, por Urariano Mota

Urariano Mota (*)



“Quando comparo esses quatro anos de minha meninice a quaisquer outros quatro anos de minha vida de adulto, fico espantado do vazio destes últimos em cotejo com a densidade daquela quadra distante”.

Isso que toda a gente lê em Manuel Bandeira, no livro “Itinerário de Pasárgada”, longe está de ser uma verdade íntima, única e exclusiva do poeta. Mas é preciso experiência, é preciso tempo para ver e sentir o paradoxo da infância mais rica que a maturidade. E, a esta altura da idade e do parágrafo, várias idéias se cruzam.

A primeira delas é que a revelação de um artista, de um poeta, sempre nos parece a expressão de uma idiossincrasia, de uma sensibilidade mórbida ou de extremo delicado. Delicado aqui no pior sentido do adjetivo: delicado de frescura, de coisa de afeminado, delicado de melindres, de não-me-toques, de abusos nervosos. No entanto, toda a gente não nota, ou não quer notar, que esse extremo de sensível nos toca, em uma estranha empatia. E mais, a um ouvido interno confessamos, “como é bela essa finura que não sei expressar”. Pois assim foi também com essa frase de Manuel Bandeira, que até a manhã de hoje eu julgava uma coisa apenas engraçada, paradoxal, coisa de absoluta terra do poeta. Ainda que a tivesse guardada comigo desde 1984, e não sabia por quê.

A segunda idéia, segunda na ordem em que trago à luz estes parágrafos, foi que descobri esta verdade hoje, agora, há menos de 15 minutos, quando buscava escrever alguma coisa sobre uma velha nova idade. Mas isso exige um pequeno recuo deste instante.

Primeiro, às primeiras horas do dia, tentei escrever sobre a revolta do povo em Mianmar, sobre o papel redentor que tem a Internet nessa revolta. Mas escrever sobre isso exige mais tempo, juízo e pesquisa. Em respeito a meus poucos leitores, recuei, porque não devo escrever algo mais superficial do que eu. Depois, tentei falar sobre a pesquisa que mostra homens mais felizes que as mulheres. Eu até já me preparava para dizer que essa pesquisa compara inferno 1 ao inferno 2, mas o ambiente à minha volta hoje conspira contra os assuntos exteriores. Então me ocorreu que eu deveria escrever sobre o que não posso fugir neste dia: sobre uma nova idade com absoluto distanciamento, com uma distância científica, no sentido de pegar o assunto com objetividade, de uma forma exterior. Cheguei até mesmo a me socorrer do dicionário da Real Academia Española, para a definição de idade:

“3. f. Cada uno de los períodos en que se considera dividida la vida humana. No a todas las edades convienen los mismos ejercicios.”

Para o meu caso, para o texto de hoje, socorro inútil, já se vê. Só escrevemos bem, ou menos mal, sobre as coisas que nos atingem, que alcançam a nossa pessoa, ainda que não tenham ocorrido com a nossa pessoa. Então por que esse disfarce, essa máscara de nova idade geral, como um relato de pesquisa estatística?

Por isso, escrevo mesmo sobre a minha, e por isso retomo à segunda idéia. Nela, a primeira coisa a me assaltar o espírito foi perceber o quanto somos eufemísticos, o quanto somos plenos daquele eufemismo que é a cara mais bonita da ironia. É uma graça que sempre completamos nova idade quando envelhecemos. Que coisa bela, não é? Quanto mais adentramos as nossas reservas de forças, mais jovens ficamos. Vejam como ficou, até parece um princípio da filosofia estóica: quando mais buscamos as penúltimas reservas, mais ricos estamos. “De experiência, homem ingrato”, uma velha encoberta me diz. Então me veio, depois de notar essa bela ironia, não uma espécie de balanço, porque não sou louco para pesquisar saldo negativo, mas uma lembrança da passagem dos anos. E procurei neles o fundamental, o digno de ser revivido. Aquilo que tenha e tivesse sido um alumbramento, aquilo que nos enche de um gozo vital. Então me veio a bunda, o traseiro de Kim Novak, que descobri na infância em uma oculta revista Playboy. Parece que foi ontem, que digo?, parece que foi hoje, agora mesmo, nesta manhã. Depois, enquanto escovava os dentes (é sempre bom fazer essas coisas mecânicas com o próprio ser em outro lugar), eu me perguntava, sim, que mais? Aqueles anos terríveis da ditadura, aquele pesadelo permanente, que somente minorava com álcool e sexo brutal, sim, que mais, isto é o fundamental e o que mais pesa em ti?

Mas o cérebro, resistente, vagava por lugares e tempos mais longes. Vagava nos ciúmes que eu tinha por uma moça mais velha, porque ela recebeu namorado diferente de mim. O cérebro andava por brinquedos fundamentais, como o desenho a carvão nas calçadas, o cérebro viajava por, o quanto isto é fundamental (é isso, a gente escreve também para se descobrir), um boneco negro de nome Benedito, que um ventríloquo trazia para a frente do mercado público de Água Fria. O boneco falava, e me persegue até hoje. É um sonho que não me deixa. Eu sempre pedia à minha mãe, quando ela saía: “quando voltar, me traga o boneco que fala”. O cérebro vagava mais longe, até a minha cadela Xandu, uma cadela com olheiras, que um carro matou. O cérebro vagava mais, até que eu notei, enfim, que os anos mais dignos de serem vividos, revividos, estão na primeira infância. Então descobri, como uma coisa que não era só de Manuel Bandeira:

“Quando comparo esses quatro anos de minha meninice a quaisquer outros quatro anos de minha vida de adulto, fico espantado do vazio destes últimos em cotejo com a densidade daquela quadra distante”.

Não é que a vida tenha parado depois. Não é nem mesmo que grandes e importantes fatos não tenham cruzado o nosso caminho nos anos de juventude e maduros. É a comparação, o cotejo dos primeiros anos com os vindos depois, que mostra a diferença a favor da primeira idade. E agora ouso acrescentar mais alguma coisa às linhas do maior poeta brasileiro. A consciência desses primeiros anos é que talvez seja o maior acontecimento, o saber que não poderemos mais reter aquela doçura do nunca visto antes. Ainda que seja uma consciência de compensação, com um travo, que nos faz até pensar que talvez fosse até melhor não tê-la, se em troca nos oferecessem os primeiros anos. Ainda assim, é melhor a consciência do perdido que a posse fugaz do que não podemos tomar, sorver em toda a plenitude. Isso porque é impossível guardar o frescor da infância com a experiência madura.

Quase impossível, deveria dizer. Agora há pouco recebi um telefonema de um filho distante, a mais de 2.000 quilômetros. E disse a ele que não devia se preocupar comigo, e prometi que não abandono o palco enquanto não realizar o que pretendo. Isso, pelo menos, nos próximos 20 anos, prometi. Ao que ele me respondeu, “Vinte, não. Trinta, pelo menos trinta”. E senti o seu voto como uma negociação, como um pedido de adiamento do encontro com a senhora implacável. E desligou o telefone. Um sabor de fruta de infância me veio então aos lábios. É bom saber que a gente é amado por quem a gente ama. Este é o regalo para um menino de 57 anos.

(*) Escritor, jornalista, colaborador do Observatório da Imprensa, membro da redação de La Insignia, na Espanha. Publicou o romance “Os Corações Futuristas”, cuja paisagem é a ditadura Médici. Tem inédito “O Caso Dom Vital”, uma sátira ao ensino em colégios brasileiros.

quinta-feira, 5 de junho de 2008

Confesso: roubei suas flores, por Evelyne Furtado

Evelyne Furtado (*)



Eu sei que não foi feito para mim, mas coube em mim como se você tivesse tirado as minhas medidas. Como se você me fotografasse todos os dias. Um instantâneo feito agora provaria.

Um texto com autoria e dedicado a alguém pode ser de qualquer leitor que o leia? Ah, como eu quero uma resposta afirmativa! Ah, como me faria feliz se o poeta me visse dessa forma lírica e gostasse tanto de mim!

Hoje li uma frase linda que dizia assim: “Ser humano é levantar todos os dias". Quem escreveu foi o escritor e jornalista Nei Duclós, no Comunique-se. Bem ou mal é melhor levantarmos, nem que seja para ler escritos assim; nem que seja para ver refletidos nossos olhos vermelhos, pois também choro levantando ou não.

Graças a Deus não me faltam amigos bons, mas me falta aquele pedaço de alma que perco e encontro, sem nunca retê-lo em mim. Falta-me também paciência e me sobra ansiedade. Talvez seja essa a razão de não eternizar a chama que me aquece.

Você conhece alguém como eu. Você escreveu lindamente para ela e eu recebi como se as flores fossem para mim. Roubei-as, todavia ninguém notou, acho, mas a minha honestidade faz com que eu confesse o furto do buquê.

Você sabe que eu adoro rir? Verdade. Tanto choro, como dou gargalhadas, só que cada pedacinho que me levam eu choro e por isso roubo flores.

Não. Eu não sou ladra. Foi só dessa vez e de outras também com outros textos e com letras de músicas das quais me apodero como se minhas fossem. Afora esses casos não ponho a mão no alheio.

E sendo redundante digo que gosto muito de rir e de quem me faz rir.
Não sou triste: sou saudosa e sensível. Justifico assim minha admiração e meu crime. Não resisti a tal beleza e a tanto carinho.

Portanto não me condene. Ao contrário, permita-me ficar com algumas flores do seu jardim. Ninguém notará a diferença. Ele continuará cada vez mais bonito e eu me sentirei mais feliz.

(*) Jornalista, poetisa e cronista em Natal/RN

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Paulo Coelho ganha o Nobel de Literatura, por Urariano Mota

Urariano Mota (*)



O escritor ainda não havia acabado a sessão de arco e flecha.

Repórteres invadem o campo onde se localizam o alvo, o autor e o arco. A notícia já correu o mundo, desde a madrugada. The Guardian, The Times anunciaram em primeira mão: o escritor Paulo Coelho, um dos mais importantes autores de língua inglesa do século, é o vencedor do Prêmio Nobel de Literatura de 2008. E mais: “a Academia sueca, que decide quem vai receber o prestigioso prêmio de US$ 1,5 milhão, fez o anúncio neste sábado, descrevendo Mr. Coelho como um ‘autor de épicos sobre a experiência mística, que, com fervor e poder visionário, expôs uma civilização dividida entre o ser e o pós-ser’”. Não importa mesmo procurar saber o que isso quer ou pretende dizer. O importante é saber que mais um escritor em língua inglesa, com o devido respeito pelo país de origem do Senhor Coelho, conquista o prêmio máximo da literatura no universo. Os brasileiros, ainda mal inseridos no mundo globalizado, bem que tentam repor o Nobel em seu lugar de origem.

O Globo, após alguns salamaleques de ofício à civilização inglesa, ousa insinuar que Paulo Coelho é brasileiro, da cidade do Rio de Janeiro, com residência física em Copacabana. Mas que, bem, a julgar pela qualidade de suas traduções para o “idioma de Shakespeare”, é compreensível que o novo, quem sabe, Sir, divida as honras com o império onde outrora o sol jamais se pusera. A Folha de São Paulo, em sua natural objetividade, exclama que o autor Paulo Coelho é tão bom, que mais deveria ser dito que ele está em um patamar além-Brasil. Ou, para bom entendedor, em Londres, of course. Um pouco antes deste prêmio consagrador, os críticos literários da Folha haviam escrito que para o Senhor Paulo Coelho, em lugar de um patamar, o mais próprio seria um patíbulo. Mas agora tudo é diferente. Como não podem dizer de Coelho o mesmo que disseram o ano passado, quando Doris Lessing foi premiada, a saber:

“.... sempre desconfiou de pernas peludas. Foi casada, sim, mas não recomenda a ninguém o uso de alianças. É alérgica. O carnê dourado (1962), que lhe abriu as portas do mundo literário e do mercado, explica as razões. Nele, a protagonista Anna Wulf é uma espécie de alter ego, louca para ser livre, mas presa a convenções e a um sentimento de culpa ancestral. Algo esquerdista, cheia de dúvidas e vivendo com sua filha numa Londres do pós-guerra....”,

dizem:

“Os seus livros trazem um resumo da filosofia de vida de Coelho e são baseadas nas histórias e fatos de diferentes culturas e partes do mundo. As Valkírias, por exemplo, conta a história real de um homem e uma mulher que vão para o deserto e - sem utilizar qualquer recurso artificial ou sofisticado - decidem entrar em contacto com o Anjo da Guarda. No estilo que o consagrou como escritor mais lido desta geração....”.

Ou seja, em um comportamento modelar, porque se repete em toda a imprensa, cambiam o não se deve ler (porque jamais li) por um incesto entre releases da editora e um envergonhado ufanismo. Até mesmo o português dos livros de Paulo Coelho, que longe está de ser o da chamada norma culta, escrito em um estilo que jamais receberia o aval do Padre Vieira, passa a ser elogiado pelas excelentes traduções que recebe na língua do King James.

Há o fato. Paulo Coelho é o autor brasileiro – natural do Brasil - mais lido em todo o mundo. O Alquimista é um dos mais importantes fenômenos literários do século XX e XXI. Chegou ao primeiro lugar na lista dos mais vendidos em 20 países, e vendeu, até 2008, 40 milhões de exemplares. A biografia de Coelho foi vendida para editoras em Frankfurt antes mesmo de concluída. Existe agora o fato maior: o Nobel de Literatura 2008 é dele. Por isso os editores dos periódicos põem-se à caça do Nobel japonês Kenzaburo Oe, urgente, para arrancar dele frases de sagração, como antes ele dissera: “Paulo Coelho conhece o segredo da alquimia literária". Os textos sobem a página com destaques do gênero “Paulo Coelho é um dos cinco autores mais vendidos do mundo. Mas em vez de oferecer aos leitores relatos aliciantes de violência, sexo ou suspense, Coelho escreve acerca de pessoas normais que se colocam em situações extraordinárias com a finalidade de incentivarem o seu eu interior, e fá-lo com uma prosa simples e despretensiosa." Ora, que tesouro tínhamos e não sabíamos antes.

Por isso agora os repórteres cercam o mago, que mal teve tempo de pôr de lado o seu grandioso arco. Eles vêm em horda, simpáticos, cordiais, íntimos, íntimos como só os repórteres conseguem ser.

- É verdade que escreveu O Alquimista em quinze dias?

- Sim. Todos os meus livros são escritos num período de duas a quatro semanas.

- Você recebe... algum espírito?

- Escute. Escrevo. Mas levo no mínimo dois anos pensando. A revisão dura mais uns quatro meses.

- Os fatos narrados em As Valkírias são reais?

- Que fatos?

- Aqueles... pra dizer a verdade, o editor me mandou fazer a pergunta.

- O episódio mais importante, o encontro com o anjo, aconteceu realmente.

- Como é o anjo?

- Tem asas.

- O que faz um Nobel de literatura?

- Escreve.

- E que mais?

- Bebe, come... e transforma o que come em coisas menos nobres.

- O senhor conseguiu o Nobel aos 61 anos. Cedo, não?

- Eu deveria esperar meus 87?

- Em O demônio e a srta. Prym, o senhor responde à pergunta o homem é bom?

- Eu não sei. O repórter é bom?

- Como, senhor?

- Essa pergunta não tem resposta. Um anjo e um demônio estão sempre do nosso lado....,

- O senhor é um anjo?

- ... o que irá se manifestar é aquele que escutamos mais....

- O senhor é um anjo?

- É melhor prestar atenção ao que estou dizendo.... O livro mostra este duelo, e mostra também como a sociedade pode manipular o conceito de "bondade".

- Que livro?

- ......

- O senhor é um demônio? (Outras vozes) O senhor é alquimista? O senhor é autobiográfico?

- Acredito no conceito de "Anima Mundi"...

- Imundo?

- ...Alma do mundo.... cada pessoa, através da total dedicação ao que faz, entra em contacto com a inspiração do universo - e é daí que vêm os meus personagens

- Isso dá muitos dólares, não dá?

... do amor pela vida e pelas coisas que vivo.

- Vários de seus livros são narrados do ponto de vista feminino. Como um homem consegue retratar tão fielmente as mulheres?

- Quando escrevo um livro estou sobretudo tentando resolver algo comigo mesmo.

- O senhor é gay? Perdão. O senhor teve experiência gay?

- ...Eu preciso me entender e achei na literatura a melhor maneira de fazer exatamente isso. Eu sou os meus personagens e eles encarnam meu espírito. Se consigo então escrever do ponto de vista de mulheres é que deixo meu lado feminino se expressar sem entraves.

- Quais são seus autores preferidos?

- J.L Borges, William Blake, Jorge Amado, Henry Miller.

- Só?

- Que livros a senhora já leu de Paulo Coelho?

- Muitos. O Alqumista. O Bruxo....

- Entendo. Do quê a senhora gostou mais no livro O Bruxo?

- Ah, tudo, não é?

- Maravilha.

- O senhor sabia que o publicitário Olivetto declarou que o senhor é a nossa Coca-Cola?

- Lindo. E qual o slogan, eu poderia saber?

- Paulo Coelho é que é.

O escritor, como um guerreiro da luz, então pega o arco e a flecha. Os repórteres, ainda que não tenham lido a Odisséia, e por isso, portanto, olvidem a volta de Odisseu ao palácio, os repórteres ainda assim recuam e abandonam o campo. A prudência é que é.

(*) Escritor, jornalista, colaborador do Observatório da Imprensa, membro da redação de La Insignia, na Espanha. Publicou o romance “Os Corações Futuristas”, cuja paisagem é a ditadura Médici. Tem inédito “O Caso Dom Vital”, uma sátira ao ensino em colégios brasileiros.