segunda-feira, 29 de setembro de 2008

A duzentos por hora rumo ao céu!, por Seu Pedro

Seu Pedro (*)



As montanhas verdes eram vistas azuis, tal a distância que delas estávamos. O carro corria a duzentos por hora, mas as curvas não eram das estradas de Santos, nem a música do momento era uma canção de Roberto Carlos.

Inconsciente, ou inconseqüente, o motorista não freava e os pneus emitiam um som, de prenúncio de morte. Só a sorte faria os cinco, ele e mais quatro, escaparem de um grave acidente. Talvez a sorte fosse pouco. Seria necessário um milagre, pois o desafio às leis da gravidade era também um desafio a Deus.

O som era alto no interior do veículo, com ar-condicionado ligado, conseqüentemente, com os vidros das janelas fechados. E isto impedia que ouvissem as buzinadas dos motoristas prudentes, que no cruzar, na estrada se assustavam com aquele veículo veloz, e dirigido por um jovem. Seria um condutor drogado? Um carro roubado?

E vai se aproximando o destino final. Faltariam apenas cem quilômetros para aquela loucura na pista. As autoridades já haviam sido avisadas e ficaram à espera no quilometro “zero” da contagem decrescente. E lá estavam policiais rodoviários, comissários de menores e conselheiros tutelares, pois foram comunicados se tratar de um grupo de menores rebeldes, e já havia sido confirmada a versão do carro roubado.

Em velocidade de duzentos quilômetros por hora, em direção à festa de carnaval no litoral de sol dourado, cem quilômetros de uma estrada teriam que ser percorridos em pouco mais de meia hora. Uma espera angustiante, agora partilhada pelos pais, com angustiantes perguntas ao telefone do Posto Rodoviário.

O relógio já marcava uma hora e meia de espera, quando então as buscas começaram. Em uma curva, não muito longe, não encontraram vidas: cinco corpos no asfalto, revólveres que eram de brinquedo e uniformes escolares. Os primeiros que chegaram ainda viram uma nuvem de fumaça vinda do carro incendiado subindo ao céu, talvez a duzentos por hora. Só Deus dirá se eram anjos ou diabinhos!

(*) Seu Pedro é o jornalista Pedro Diedrichs, repórter do jornal Vanguarda, Guanambi, Bahia.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Homens complicados, por Ruth Barros

Ruth Barros (*)



Contos da Mula Manca

Vocês sabem aqueles caras que parecem o David Beckam, senão fisicamente, pelo menos em estilo, os chamados metrossexuais? A Mula Manca (MM) está convencida de que esses caras conseguiram complicar ainda mais o já conturbado universo masculino, com reflexos profundos no feminino. Metrossexual, como já foi divulgado por todas as revistas e jornalistas metidos a moderninhos e a entender de tudo, são aqueles sujeitos que têm hábitos mais próximos das peruas e dos gays. Mas diferentemente dessas duas raças, gostam é de mulher – e muito.

O que seria uma solução para as mulheres passa a ser um problema quando o sujeito em questão dispõe, por exemplo, de seis portas de guarda-roupa. Uma fofa de minhas relações arrumou recentemente um cara que tem exatamente isso, seis portas de armário lotadas. “Eu me sinto uma pobre de Jó com minhas duas portinhas”, diz a básica. “Sei que sou elegante e uma das coisas que ele mais gosta em mim é isso, é aquele cara dos detalhes, que sabe apreciar qualquer up grade que você dê, valoriza isso e é ótimo se ver olhada com cuidado, saber que ele está prestando atenção. Mas a relação de quantidade virou de ponta a cabeça, ele tem um guarda-roupa de perua, numericamente falando enquanto eu pareço um homem de negócios, daqueles que não têm muito tempo a perder com frescura”.

Guarda-roupa extenso não chega a ser exatamente encrenca, a própria fofa reconhece, mas as conseqüências disso são complicadas, como ela mesma explica: “É claro que acabo dando risada ao ver tanta coisa junta, tanta variação sobre o mesmo tema, tipo 15 camisas brancas, 10 blazers pretos e por aí vai. Mas o problema é o tempo gasto em escolher as toilletes, o banho, a ginástica e outras cositas mais. Transar com ele é uma delícia, a gente se dá lindamente bem. O que atrapalha é que ele chega invariavelmente atrasado, ou melhor, já está tão escolado que nem marca horário, mas antes das 11, meia noite, é melhor não contar para nada. Nossas noites acabam sempre começando super-tarde e acabando cedo, pois além de tudo ele é do tipo todo ocupado com negócios, mãe doente, enfim, coisas que não tem como adiar. E o simples banho diário leva em média 70, 80 minutos”.

Solução, se existe, ela desconhece: “Não sei, acho que dá pra segurar a onda. Não acredito em mudanças, não espero por elas, a não ser que venham de mim. Posso torcer para que meus dias comecem a ter mais de 24 horas ou que eu tenha paciência de esperar a cada encontro por uma noiva que se arruma para o casamento. Por enquanto está valendo a pena”.

(*) Maria Ruth de Moraes e Barros, formada em Jornalismo pela UFMG, começou carreira em Paris, em 1983, como correspondente do Estado de Minas, enquanto estudava Literatura Francesa. De volta ao Brasil trabalhou em São Paulo na Folha, no Estado, TV Globo, TV Bandeirantes e Jornal da Tarde. Foi assessora de imprensa do Teatro Municipal e autora da coluna Diário da Perua, publicada pelo Estado de Minas e pela revista Flash, com o pseudônimo de Anabel Serranegra. É autora do livro “Os florais perversos de Madame de Sade” (Editora Rocco).

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Deixo a vida me levar, por Seu Pedro

Seu Pedro (*)



Dizem que de poeta e louco cada um tem um pouco. Acho que desde pequeno, quando não tinha nada de poeta, eu já era louco, no bom sentido é claro! Era uma espécie de “Marcelino Pão e Vinho”, personagem de uma história que poucos hoje conhecem, mas que no meu tempo ainda de criança, o filme lotava sessões e provocava enormes filas às portas dos cinemas. Marcelino era um pequeno órfão que causava milagre.

Quando bebê, foi deixado na porta de um mosteiro e criado, e muito bem cuidado, pelos monges. Mas sentia falta de ter uma mãe. Um dia, encontra um amigo especial, em um sótão proibido, pendurado em uma cruz. Um amigo que retribui a bondade da criança, concedendo-lhe um desejo do fundo de seu coração.

Marcelino deseja ter um amigo para brincar, com a personalidade dele, e o ganhou invisível e habitando a sua mente, que tinha todo o espaço de um jardim, onde brincava só aos olhos humanos, mas a dois aos olhos que vêem através de outros corpos!

Eu e Marcelino podíamos ter nascido em qualquer lugar do mundo, pois na movimentada linha de produção de bebês, não há como determinar a alma de cada criança a nascer. São muitos exemplares e parece que são poucas as cegonhas. Elas têm que viajar com rapidez, vasculhando motéis, terrenos baldios, moitas das flores, quartos de casas pobres e ricas e até o escurinho do cinema, para entregar, para cada par, ou casal, o bebê desejado, ou indesejado. E ela tem que ser tão rápida, que não dê tempo para que a vejam, e passem a acreditar no que estou falando. Ao contrário do que pensam, a cegonha não traz o bebê completo e já chorando pendurado em um lençol. Traz-nos, dele, apenas a alma e a personalidade!

Foi no meu tempo de criança que começaram a estudar cientificamente o autismo, há sessenta anos, que dizem ser uma desordem na qual uma criança jovem não pode desenvolver relações sociais normais, se comporta de modo compulsivo e ritualista. Terei sido, ou sou autista, já que não desenvolvo relações sociais normais? Não vou ao clube pelas manhãs jogar pelada; não saio à noite para sentar em um botequim e sair de lá com bafo de saca-rolha; não compro Playboy; não fumo em restaurantes e em nenhum outro lugar, preferindo gastar meu suado dinheiro em guloseimas para meus filhos; adoro mulheres de todos gênios, tipos, estaturas, raças e profissões, mas só escolhi uma delas para ser a minha boa metade. Sou diferente, não sou convencional!

Poucos são compulsivos, como eu, principalmente quando se trata de meus direitos. Quando falo alto e em bom som, às vezes sou mal-entendido e me dou mal. Mas o que fazer se sou assim, e não abro mão? Sou ritualista, agradeço a Deus a qualquer hora e em qualquer lugar, jogo minhas calças, camisas, meias e cuecas espalhadas pelo chão do quarto, como um ritual, que vai ser difícil de mudar na minha idade. O único local que arrumo é o meu espaço de trabalho, o que o faço ritualmente, de seis em seis meses, ou quando necessito achar um papel perdido entre a montanha de outros que já deveriam ter sido destinados à reciclagem. Não dou bom dia a quem não gosto e vivo a sorrir para os que me são simpáticos. Isto é autismo?

Não só Gabriel, que nasceu em 1993, em Macaé, litoral do Rio de Janeiro, cujo pai lhe presta homenagem em uma página que criou na Internet, pena que desatualizada, Canto de Anjo. Nela ele narra que, aos três anos, após terem recebido, por dádiva de Deus, o Anjo Gabriel, ele percebeu que o filho reagia em não falar, mas só cantar, adotando um comportamento aéreo.

Que nenhum avião Legacy derrube nossos pensamentos e sonhos aéreos, pois melhor é ver a vida pelo alto. E que ninguém nos impeça de cantar ao som das harpas tocadas pelos anjos, ou ao batuque do pandeiro, do ronco da cuíca ou de um dedilhar ao violão. Quer melhor do que cantar? Afinal, como diz Zeca Pagodinho: “E deixa a vida me levar, vida leva eu (...) Sou feliz e agradeço por tudo que Deus me deu...”

(*) Seu Pedro é o jornalista Pedro Diedrichs, editor do jornal Vanguarda, de Guanambi, Bahia.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

A decisão, por Rodrigo Ramazzini

Rodrigo Ramazzini (*)



Bernardo acordou com um barulho vindo da garagem de sua casa. Era o ruído resultante do atrito entre o abrir a porta e o chão. O relógio marcava duas horas da madrugada. Fazia frio. Levantou-se cuidadosamente para não despertar a esposa. Colocou o roupão e os chinelos. Caminhou do quarto até a sala, onde abriu, de forma silenciosa, uma fresta na “janelinha” da porta e espiou. A porta da garagem estava semi-aberta. Indagou-se o lógico: “Quem será?”

Espiou por um tempo para ver se enxergava algo. O silêncio perpetuava-se. Então, os barulhos recomeçarem. Agora, era o som das suas ferramentas e outras coisas caindo no chão. O sentimento de raiva foi apoderando-se de Bernardo. “Mas o que fazer?”, perguntou-se, ainda conduzido pela razão. “Chamar a polícia? Até chegarem ao local, quem lá estivesse já haveria de ter partido. Deitar-se novamente e torcer para que nada de muito valor fosse levado? Não! Não iria ter trabalhado a vida inteira para que, em segundos, um vagabundo qualquer roubasse suas coisas para provavelmente trocar por drogas. Ainda mais que, já haviam sumido alguns objetos da sua garagem. Não iria financiar drogado. Não mesmo!”

Irritado, resolveu fazer justiça com as próprias mãos. Resmungando baixinho, voltou ao quarto e pegou sua arma de caça que estava escondida embaixo da cama. Pegou-a com todo o cuidado. Retornou à sala. Fazia tempo que não usava sua arma. Mesmo empoeirada, Bernardo carregou-a e posicionou-se, mirando a garagem, com o cano da arma escorado na base da “janelinha” da porta.

Os barulhos que vinham de dentro da garagem cessaram novamente. O que o fez voltar à razão, apesar da tensa situação. “E agora, o que fazer? Atirar em direção à garagem ou não? Se atirar, quais as conseqüências? Um processo talvez e um corpo entendido no chão caso o tiro fosse perfeito? Valia a pena? E se errasse? Quem sabe atirava para cima para assustar? Não seria pior? Acordar a esposa, os filhos e os vizinhos? Ir até lá e encurralar o ladrão? E se ele estive armado também? Teria agilidade para atirar primeiro?” Esses questionamentos transcorriam vertiginosamente nos pensamentos de Bernardo quando os barulhos recomeçaram. Desta vez, pareciam ser de alguém vomitando.

Os barulhos originados na garagem se confundiram com os latidos de alguns cachorros da rua. Isso só fez Bernardo ficar mais tenso. Precisava decidir-se logo sobre o que fazer. Atirava ou não? Se sim, na garagem ou para cima? Ou se aproximava? Foi então que a porta da garagem foi levemente empurrada para fora.

Bernardo assustou-se com o ato e quase atirou. Um silêncio veio logo a seguir. Gotas de suor escorriam por baixo de suas axilas. Refez-se do susto e posicionou-se para atirar novamente. Ninguém saiu de dentro da garagem, e, apesar da boa abertura da porta, ele não conseguia ver quem lá se encontrava por causa da escuridão.

A porta da garagem foi novamente empurrada, desta vez com mais força. A pouca luminosidade não o deixou ver em um primeiro momento o rosto de quem deixava o recinto. O dedo trêmulo encontrava-se no gatilho da arma. A testa encharcada deixava transparecer o seu nervosismo. Mirou. E agora? O suposto ladrão estava de costas, fechando a porta da garagem. Respirou fundo, e decidiu-se por aguardar e ver quem era. Foi quando faróis de um carro iluminaram.

Bernardo deixou escapar um “Ufa!” E correu para o quarto, para não ser visto com a arma. Era o filho mais velho que acabara de chegar e, novamente, ainda sob efeito de algum alucinógeno.

(*) Jornalista e cronista

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

O mar que deixei para trás, por Fábio de Lima

Fábio de Lima (*)



Não agüentei
As ondas do mar que bateram em meu peito
E cai
Não resisti

Mas levantei
Olhei ao redor e fui enfrente
Virei mar
Jamais voltei

Só tive um medo
Quando olhei em direção à praia
Lá na areia
Meu amor estava

Pensei nela
Água salgada verteu de meus olhos
Saudade deixada
Beijo vazio

Horizonte longínquo
Foi aí que passei a navegar em meu próprio barco
Não morri
Só renasci

Meu casamento
Um casal de filhos perdido em algum lugar
Muitas ondas
E o passado

Afundei sem destino
Ainda balbuciei o seu nome
Cai de mim
Para mim de novo

(*) Jornalista e escritor, ou “contador de histórias”, como prefere ser chamado. Está escrevendo seu primeiro romance, DOCE DESESPERO, com publicação (ainda!) em data incerta.

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Noite dos fantasmas, por Pedro J. Bondaczuk

Pedro J. Bondaczuk (*)



Ouço ao longe sons de passos furtivos,
incertos, trôpegos, ecoando na calçada.
É noite...Noite escura dos fantasmas
dos trânsfugas e solitários,
em que todas minhas saudades
conspiram contra a mental sanidade.

Ao longe, um cão uiva para a lua,
profética lamúria,
lamento instintivo e ancestral.
Um bêbado tangencia o horizonte,
em uma coreografia caótica,
dança incoerente, patético balé.

Na semi-obscuridade do quarto,
mariposas orbitam o poeirento lume,
projetando sombras bailarinas
nas paredes nuas, manchadas de solidão:
vida louca, alma vadia, fugaz ilusão...

A memória resgata a crônica do ontem,
perdida nos meandros do passado;
mortos queridos, amores extintos,
amigos distantes, respeitáveis inimigos.
Conclave imaginário de fantasmas...

Pontas de cigarros erigem pirâmide
desordenada no cinzeiro de vidro
(ou seria de alabastro? ou de cristal?).
Fumaça azulada desenha incerto
itinerário ao redor da suja lâmpada.
Estou só no quarto...("sozinho na América",
diria, dramático, o poeta de Itabira),
nesta noite, modorrenta e triste, dos insones.

(*) Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos). Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Eu acostumei, por Pollyanna Letícia

Pollyanna Letícia (*)



Eu acostumei a cheirar as flores do vizinho,
e achar que o seu perfume era como os da vitrine da rua sete.
Mas, os da vitrine eram sublimes...
Eu acostumei a não perder tempo com coisas banais,
e achar que assim eu vou está de bem com o relógio.
Mas, o meu tempo era sempre nublado...
Eu acostumei a dispensar a conversa na janela;
a novela das oito;
o passeio com o meu cachorro.
Mas, o meu dia era sempre o mesmo todos os dia...
Eu acostumei a deixar de presentear a minha esposa;
desgostar de surpresas;
de levar a vida mais a sério.
Mas, a minha situação que estava ficando séria...
Eu acostumei a andar rápido mesmo não estando com pressa,
e achar que o tic-tac não anda...Voa!
Mas, o tempo só voa para aqueles que não sabem que ele não volta...
Eu acostumei a não sorrir para as crianças do parque;
a não desejar um ‘bom dia’ na possibilidade de realmente ser bom;
ao dormir não adormecer também os meus problemas.
Mas, os meus problemas teimavam em fazer parte dos meus sonhos...
Eu acostumei por acostumar,
e achar que os meus costumes me faziam bem.
Mas, hoje sou um mal-acostumado em companhia da solidão, do meu cigarro, das minhas fraquezas...
E eu não sei porque que acabo achando que os tempos podiam ser outros,
Mas, ele se perdeu...
Mas, eu o perdi...
Passou e agora volta com novos ares.

(*) Estudante do 8º período de Comunicação Social da Universidade Federal de Tocantins