segunda-feira, 15 de setembro de 2008

A decisão, por Rodrigo Ramazzini

Rodrigo Ramazzini (*)



Bernardo acordou com um barulho vindo da garagem de sua casa. Era o ruído resultante do atrito entre o abrir a porta e o chão. O relógio marcava duas horas da madrugada. Fazia frio. Levantou-se cuidadosamente para não despertar a esposa. Colocou o roupão e os chinelos. Caminhou do quarto até a sala, onde abriu, de forma silenciosa, uma fresta na “janelinha” da porta e espiou. A porta da garagem estava semi-aberta. Indagou-se o lógico: “Quem será?”

Espiou por um tempo para ver se enxergava algo. O silêncio perpetuava-se. Então, os barulhos recomeçarem. Agora, era o som das suas ferramentas e outras coisas caindo no chão. O sentimento de raiva foi apoderando-se de Bernardo. “Mas o que fazer?”, perguntou-se, ainda conduzido pela razão. “Chamar a polícia? Até chegarem ao local, quem lá estivesse já haveria de ter partido. Deitar-se novamente e torcer para que nada de muito valor fosse levado? Não! Não iria ter trabalhado a vida inteira para que, em segundos, um vagabundo qualquer roubasse suas coisas para provavelmente trocar por drogas. Ainda mais que, já haviam sumido alguns objetos da sua garagem. Não iria financiar drogado. Não mesmo!”

Irritado, resolveu fazer justiça com as próprias mãos. Resmungando baixinho, voltou ao quarto e pegou sua arma de caça que estava escondida embaixo da cama. Pegou-a com todo o cuidado. Retornou à sala. Fazia tempo que não usava sua arma. Mesmo empoeirada, Bernardo carregou-a e posicionou-se, mirando a garagem, com o cano da arma escorado na base da “janelinha” da porta.

Os barulhos que vinham de dentro da garagem cessaram novamente. O que o fez voltar à razão, apesar da tensa situação. “E agora, o que fazer? Atirar em direção à garagem ou não? Se atirar, quais as conseqüências? Um processo talvez e um corpo entendido no chão caso o tiro fosse perfeito? Valia a pena? E se errasse? Quem sabe atirava para cima para assustar? Não seria pior? Acordar a esposa, os filhos e os vizinhos? Ir até lá e encurralar o ladrão? E se ele estive armado também? Teria agilidade para atirar primeiro?” Esses questionamentos transcorriam vertiginosamente nos pensamentos de Bernardo quando os barulhos recomeçaram. Desta vez, pareciam ser de alguém vomitando.

Os barulhos originados na garagem se confundiram com os latidos de alguns cachorros da rua. Isso só fez Bernardo ficar mais tenso. Precisava decidir-se logo sobre o que fazer. Atirava ou não? Se sim, na garagem ou para cima? Ou se aproximava? Foi então que a porta da garagem foi levemente empurrada para fora.

Bernardo assustou-se com o ato e quase atirou. Um silêncio veio logo a seguir. Gotas de suor escorriam por baixo de suas axilas. Refez-se do susto e posicionou-se para atirar novamente. Ninguém saiu de dentro da garagem, e, apesar da boa abertura da porta, ele não conseguia ver quem lá se encontrava por causa da escuridão.

A porta da garagem foi novamente empurrada, desta vez com mais força. A pouca luminosidade não o deixou ver em um primeiro momento o rosto de quem deixava o recinto. O dedo trêmulo encontrava-se no gatilho da arma. A testa encharcada deixava transparecer o seu nervosismo. Mirou. E agora? O suposto ladrão estava de costas, fechando a porta da garagem. Respirou fundo, e decidiu-se por aguardar e ver quem era. Foi quando faróis de um carro iluminaram.

Bernardo deixou escapar um “Ufa!” E correu para o quarto, para não ser visto com a arma. Era o filho mais velho que acabara de chegar e, novamente, ainda sob efeito de algum alucinógeno.

(*) Jornalista e cronista

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