sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Demasiado humano, por Marcelo Sguassábia

Marcelo Sguassábia (*)



Atlas levava o mundo nas costas, e eu inadvertidamente acabei me transformando na versão atualizada do personagem mitológico. A diferença é que Atlas não tinha cobrança, nem a mídia no encalço, nem uma crise que pegou o atlas – desta vez geográfico – inteiro no contrapé. Tudo bem, eu quis que fosse assim, eu escolhi esse objetivo e exauri as forças que tinha e as que não tinha para alcançá-lo. Fiz acordos, abri concessões, renunciei a mim para ser o que agora sou.

Como eu já imaginava, é mesmo muito solitário ser tão absurdamente poderoso. Solitário a ponto de você não se conceder o direito de pensar um pouquinho com seus botões sem que de imediato apareça um arsenal de costureiras para pregá-los.

A uma entidade messiânica como eu não se dá a prerrogativa de estar a sós com quem quer que seja, nem comigo mesmo. Esta é a questão, ou talvez a contradição: a solidão do poder é tamanha que não abre a possibilidade de se ficar sozinho, nem para ir ao banheiro. Você é isolado do cotidiano feito um vírus no laboratório, mas junto com 150 cientistas que não tiram o olho do tubo de ensaio.

Sou o ícone de uma sociedade que não admite que eu me socialize espontaneamente e seja simplesmente um homem de bem, vacinado, protestante e pagador dos meus impostos. Imagino que haja milhares de pessoas pelos quatro cantos do planeta rezando neste momento pelos meus futuros atos. Só eu não posso ter carne e osso e pedir por mim – alguém certamente estará na escuta, ainda que seja inaudível a prece.

Eu posso criar e destruir fronteiras com a mesma caneta que, se dependesse de mim, estaria agora fazendo palavras cruzadas, o jogo da velha ou qualquer outra bobagem que não me forçasse a mudar a vida de ninguém. Confesso que durante o pronunciamento de ontem, enquanto falava solene e pausadamente para a câmera, tinha a mão direita dentro da gaveta de minha mesa. Segurava firme a foto em que estou no colo de mamãe, era uma maneira de me sentir forte, como se o retrato fosse uma âncora a me salvaguardar no mar intempestivo.

Sou um emblema, um deus de ébano pretensamente redentor dos males da humanidade, e transformei a rotina anônima e sem ostentação de minha mulher e de minhas filhas no filé dos paparazzi. Abro meu laptop e tenho vontade de deletar sem ler, como se fosse spam, o mais recente relatório confidencial enviado pelo Secretário de Defesa.

Queria muito, como todo americano praticante de golfe e comedor de pasta de amendoim, jogar paciência durante o expediente sem ser visto pelo chefe. Pois juro, como jurei sobre a Bíblia outro dia, que meu sonho de supremo mandatário é ter um chefe a quem seja obrigado a prestar contas de meia em meia hora, que perca as estribeiras comigo, que me xingue de incompetente e corpo-mole, mas que pertença a uma instância superior à minha e me diga o que deve e o que não deve ser feito. Estar no topo do organograma pode muito bem ser pior que estar abaixo da linha de miséria. Náuseas de tudo e ânsia de ser Barack, e só Barack de novo.

(*) Redator publicitário há mais de 20 anos, cronista de várias revistas eletrônicas, entre as quais a “Paradoxo”

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Despiste, por Rodrigo Ramazzini

Rodrigo Ramazzini (*)



- Alô...
- Oi amor!
- Pode falar agora, Carlos Alberto?
- Ai ai ai! Com esse tom de voz, estou vendo tudo... O que foi dessa vez, Renata?
- Precisamos conversar.
- Fala...
- Pessoalmente é melhor.
- Sobre o que seria? Qual assunto?
- O de sempre: nós! Nossa relação...
- Mais especificamente?
- Já disse! É melhor pessoalmente.
- Espera eu chegar em casa e conversamos. Pode ser?
- Não! Não quero discutir na frente das crianças... Vamos a outro lugar.
- Quem disse que vamos discutir?
- Com certeza vamos, Carlos Alberto!
- Não sei! A coisa é tão séria assim?
- Pode acreditar que sim!
- Me adianta o assunto pelo menos... O motivo...
- Tanto faz tu saberes agora ou não, Carlos Alberto! A tua atitude será como nas anteriores: negar! Negar! E negar mais uma vez! Mas dessa vez vai ser diferente...
- Ah, não! Meu Deus! Eu não acredito! É o que estou pensando?
- A consciência já pesou foi?
- Essa história de novo, Renata?
- Não falei! Já começou a negar...
- Renata! Quantas vezes... Putz! Quantas vezes eu já te disse que não tenho uma amante, hein?
- Desta vez te viram saindo do motel, Carlos Alberto!
- Me viram! Quem? Posso saber?
- Lógico que eu não vou dizer!
- Está mentindo, Renata!
- Não me irrita, Carlos Alberto! Não me irrita mais do que eu já estou... Estou louca para voar nesta tua cara!
- Calma! Como vamos sair para conversar contigo nervosa deste jeito?
- Está certo! Está certo! Por incrível que pareça...
- Mas eu não tenho uma amante, viu?
- Depois nós conversamos sobre isso, Carlos Alberto! Eu não vou me alongar mais nessa ligação... Me encontre naquele restaurante perto da praça central depois das nove. Pode ser? Já avisei a empregada para ficar com as crianças...
- Pode ser! Eu vou ficar um pouco mais tarde aqui na empresa mesmo. Daí irei direto pra lá...
- Combinado então! Até lá. Tchau!
- Tchau!

Encerrada a ligação, Carlos Alberto no escritório comenta com um colega:

- Renata no telefone. Desconfiada de novo que tenho uma amante. Ciumenta que só ela! Vamos conversar em um restaurante depois do expediente. Mas com certeza vai ser igual as outras vezes. Conversamos um tempo e acabamos na cama. Por incrível que pareça, nestas crises de ciúmes é que me sinto amado!
- Com amante! Logo tu, Carlos Alberto? Sério desse jeito... Se fosse eu tudo bem! Mas tu não!
- Pois é, meu amigo! Mulheres! Quem entende...

Simultaneamente, Renata no carro com o amante, verifica as horas e diz:
- Pronto! Temos até ás 21h...

(*) Jornalista e cronista

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Amor em silêncio, por Fábio de Lima

Amor em silêncio, por Fábio de Lima

Fábio de Lima (*)



- Você só tem 19 anos.
- Isso agora é problema?!
- Não, não estou dizendo isso.
- Está dizendo o que, então?!
- Só penso que você pode namorar alguém da sua idade. Agora nossos 13 anos de diferença são perfeitamente contornáveis, mas, em nossa velhice, serei 13 anos mais velho que você, e isso será uma grande diferença.
- Você está querendo terminar nosso namoro e não está com coragem de dizer?! É isso?! Fala, Flávio!
- Não, não estou querendo terminar. Não é isso.
- É isso sim! Seja homem para assumir!
- Não, você está imaginando coisas.
- Não, não estou! Você que está fazendo rodeios para dizer algo que está claro! Você cansou da menininha, né?! Eu sabia que você uma hora ia cansar! Você sempre falou que beleza física para você não era o mais importante. O fato de eu ser jovem, bonita, te atraiu, mas agora só isso não basta, não é?!

- Érika, a gente viveu um relacionamento lindo. Ficamos juntos por três anos, mas agora a gente anda brigando por tudo. Não faz sentido isso, entenda!
- Eu sabia! Eu era mais nova e ainda boba! Então, você me usou e agora se cansou de mim! Me falaram que isso ia acontecer! Me falaram tantas vezes! Meu Deus, como fui idiota!
- Idiota você está sendo agora, Érika! A gente tem brigado tanto que eu já não tenho certeza se nos amamos. Como é possível amar e brigar tanto assim?!
- Eu te amo, Flávio! Eu te amo muito!
- Será?! Ou será que você acha que ama?! Você nunca conheceu um outro homem! Nesse momento eu sou tudo que você conhece e por isso sou o melhor, o mais encantador, o mais bonito...! Na sua cabeça eu sou o homem ideal! Mas, daqui algum tempo você pode nem lembrar que eu existo!
- Não, eu sempre vou te amar!
- Você não sabe!
- Sei sim! Tenho certeza!
- Você não tem certeza de nada, Érika!
- Tenho certeza, sim! Tenho certeza sim, Flávio! Eu não sou uma menininha idiota! Você quer me abandonar! Você deve já ter outra, não é mesmo?!
- Não dá para conversar com você, Érika! Chega! Estou saindo!

Flávio pegou o celular sobre a mesa, as chaves, a carteira, e saiu batendo a porta. Érika chorava compulsivamente caída ao sofá da sala – enquanto a TV alta servia desde o começo da briga para encobrir os sons da desesperança. Todos os familiares de Érika foram contra o inicio daquele relacionamento. Como podia uma garota de 16 anos namorar um homem de 29? Todos da família de Flávio também foram contra. Como podia um homem de 29 anos namorar uma garota de 16?

Flávio sempre teve certeza do amor por Érika e nunca deu ouvidos para os comentários alheios. Érika também amava Flávio e, mesmo sendo muito jovem, tinha certeza que ele era o homem de sua vida – o futuro pai de seus filhos. O casal viveu muito bem nos dois primeiros anos juntos. Aliás, deixaram de ser namorados para ser casados – dividirem o mesmo lar e dividirem, também, todos os planos de futuro. Mas os últimos meses não foram como os dois esperavam e as brigas se tornaram uma constante na vida do casal.

Então, depois de tudo, Érika, abandonada naquele apartamento, soluçava de tanto chorar e se sentia triste, magoada e usada. Flávio, perdido em seus pensamentos, caminhava em direção a casa de seus pais, sete quarteirões ao sul. Érika parecia desesperada. Flávio parecia muito triste. O céu ficava escuro naquela tarde de verão e a chuva se aproximava rápido. Érika caminhou até a sacada do apartamento e olhou o céu. Flávio atravessou a rua correndo e olhou o céu. Gritos desesperados ecoaram no prédio. Gritos desesperados ecoaram na rua. Érika e Flávio se encontraram no silêncio. E no silêncio eles sempre se amaram.

(*) Jornalista e escritor, ou “contador de histórias”, como prefere ser chamado. Está escrevendo seu primeiro romance, DOCE DESESPERO, com publicação (ainda!) em data incerta.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Sensível diferença, por Sayonara Lino

Sayonara Lino (*)



Acordei e iniciei um dia como tantos outros. Senti frio, ventava um pouco, uma leve brisa. Caminhei em direção à sacada de meu apartamento, com o intuito de absorver os raros raios de sol que teimam em surgir vez ou outra.

Ao chegar lá, observei, a uma certa distância, o apê que fica em frente ao meu. Aquilo sim pode ser chamado de lar, se minha intuição estiver correta. O belo casal havia chegado recentemente ao condomínio. Em clima de romance, desfrutava de um farto desjejum, ao lado de uma linda planta que cobria parcialmente o ambiente, agregando um ar bucólico em meio ao concreto.

Havia orquídeas que conferiam zelo àquela mesa repleta de guloseimas, àquele café pretinho, enfim, uma composição perfeita para entrar em harmonia com o cosmos. Ele colocava pequenos nacos de queijo Minas em sua boca. Ela retribuía o gesto com sorrisos e gracejos, mexendo em seus longos cabelos para lá de escorridos. Ambos estavam em uma sintonia invejável, exalando uma química explosiva!

Perdida em meio a pensamentos de admiração, meu olfato me capturou e fui obrigada a encarar minha realidade. Um cheiro ruim e familiar contaminava o ambiente. Era a massa marrom e cotidiana que saiu de minha cachorrinha hiperativa com sintomas esquizo-afetivos. Do quarto, minha mãe com seu costumeiro mau-humor, chamou-me para que eu levasse seus remédios. E enfatizou: “vê se Nick fez alguma coisa por aí, principalmente na sala, é muito chato os vizinhos virem”. Necessidade de aprovação alheia, ela não perde essa mania.

Tive vontade de chorar. Por que será que o destino não me presenteou com o uma cadelinha felpuda de bons modos, o homem quase irreal de tão gentil, os cabelos lisos e esvoaçantes da bela moça que desfrutava um momento tão agradável? Seria Karma? Não, são as escolhas. Não procurei saber se a raça da minha cadelinha fofa e anti-social se adaptaria a um espaço restrito e se seria fácil educá-la. Talvez um sítio fosse melhor para ela ficar mais à vontade. Quanto ao homem dos sonhos, melhor cair na real. Eles costumam te acordar com afagos mas à noite roncam e viram para o outro lado. Já a bela cabeleira da moça, bem, não se pode lutar contra o determinismo genético. Ela teve sorte. Então, aceite seus cachos ou corra para o salão mais próximo: com o advento da escova progressiva, sua franja não irá arrepiar e você poderá, enfim, sacudir suas melenas ao vento.

(*) Jornalista.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

O Amor e a incógnita, por Silvana Alves

Silvana Alves (*)



Ah, o amor... quatro letras e “zilhões” de incógnitas.

Parada olhando para a imensidão azul do céu tento decifrá-lo, mas não consigo. Com minha santa ingenuidade fico pensando; do que é feito o amor? Porque os amores se acabam e ficamos com outros “zilhões” de questionamentos?

Perguntei para as nuvens, que mais pareciam um monte de algodão branco e doce, prontos para derreter em minha boca. Mas as respostas não vieram, e mais uma vez fiquei decepcionada com tamanha falta de consideração daquelas nuvens que tanto admiro.

Então fui a algo concreto, olhei o dicionário, que para muitos é considerado “o pai dos burros”. Se realmente for eu sou totalmente uma. Mas, acredito que um dicionário é o pai da inteligência sábia e simples. Entre tantas descrições sobre as palavras fiquei com a que mais senti intimidade.

AMOR: Sentimento de dedicação absoluta de um ser a outro ser ou a uma coisa. INCÓGNITA: Aquilo que é desconhecido e se procura saber. Meu Deus! – exclamei – O amor é uma incógnita?! Claro que a resposta não veio. Mas, comecei a lembrar dos meus amores passados. Todos se acabaram seja por falta da sinceridade, confiança, até mesmo do amor, ou porque ele teve que partir.

Aí pensei: “O AMOR é tão bom!” É tão bom amar e ser amada! Mas ainda desconheço o por quê eles se vão ou acabam. Então constatei que o amor é uma incógnita. Ele não tem explicação. Nem mesmo os dicionários escritos em todas as línguas podem explicar. Porque a explicação é superficial. E o amor é sentimento, é doçura, é mistério.... é uma incógnita maravilhosamente gostosa de sentir e ter.

(*) Estudante do 4º ano de Jornalismo das Faculdades Integradas Teresa D'Ávilla (FATEA), de Lorena-SP. Blogueira: www.silvanacasalves.blogspot.com