segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Sensível diferença, por Sayonara Lino

Sayonara Lino (*)



Acordei e iniciei um dia como tantos outros. Senti frio, ventava um pouco, uma leve brisa. Caminhei em direção à sacada de meu apartamento, com o intuito de absorver os raros raios de sol que teimam em surgir vez ou outra.

Ao chegar lá, observei, a uma certa distância, o apê que fica em frente ao meu. Aquilo sim pode ser chamado de lar, se minha intuição estiver correta. O belo casal havia chegado recentemente ao condomínio. Em clima de romance, desfrutava de um farto desjejum, ao lado de uma linda planta que cobria parcialmente o ambiente, agregando um ar bucólico em meio ao concreto.

Havia orquídeas que conferiam zelo àquela mesa repleta de guloseimas, àquele café pretinho, enfim, uma composição perfeita para entrar em harmonia com o cosmos. Ele colocava pequenos nacos de queijo Minas em sua boca. Ela retribuía o gesto com sorrisos e gracejos, mexendo em seus longos cabelos para lá de escorridos. Ambos estavam em uma sintonia invejável, exalando uma química explosiva!

Perdida em meio a pensamentos de admiração, meu olfato me capturou e fui obrigada a encarar minha realidade. Um cheiro ruim e familiar contaminava o ambiente. Era a massa marrom e cotidiana que saiu de minha cachorrinha hiperativa com sintomas esquizo-afetivos. Do quarto, minha mãe com seu costumeiro mau-humor, chamou-me para que eu levasse seus remédios. E enfatizou: “vê se Nick fez alguma coisa por aí, principalmente na sala, é muito chato os vizinhos virem”. Necessidade de aprovação alheia, ela não perde essa mania.

Tive vontade de chorar. Por que será que o destino não me presenteou com o uma cadelinha felpuda de bons modos, o homem quase irreal de tão gentil, os cabelos lisos e esvoaçantes da bela moça que desfrutava um momento tão agradável? Seria Karma? Não, são as escolhas. Não procurei saber se a raça da minha cadelinha fofa e anti-social se adaptaria a um espaço restrito e se seria fácil educá-la. Talvez um sítio fosse melhor para ela ficar mais à vontade. Quanto ao homem dos sonhos, melhor cair na real. Eles costumam te acordar com afagos mas à noite roncam e viram para o outro lado. Já a bela cabeleira da moça, bem, não se pode lutar contra o determinismo genético. Ela teve sorte. Então, aceite seus cachos ou corra para o salão mais próximo: com o advento da escova progressiva, sua franja não irá arrepiar e você poderá, enfim, sacudir suas melenas ao vento.

(*) Jornalista.

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