segunda-feira, 27 de julho de 2009

Um homem vive em mim, por Ilcimar Abreu

Ilcimar Abreu (*)



Lembro de mim pequenininha ainda, meias curtas, vestido bordado, cabelo lisinho, mas já sabia quem era aquele homem que me tomaria pelas mãos – resoluto forte altivo –, simplesmente ele.

Ainda hoje insisto em ler poesias de amor, peças entremeadas de glória e desvario. Me atrai a transgressão, aquilo que expande as sensações, a faceta mais teatral – irreverência.

Passeando pelas ruas ensolaradas, certa manhã, olhei para o céu tantas vezes, tantas vezes me encantei e cheguei a pensar em desistir de amar. Mas temos tantos segredos, facetas de melodrama e de paixão, amálgamas de prata e ouro; nem mesmo conhecemos nosso destino, em que instante seremos felizes ou infelizes...

Preciso dizer neste momento que em torno de mim vive a loucura, que não tolero gestos cotidianos e observo, satisfeita, esvaindo-se de mim a exuberância alheia em direção ao nada. Desejaria esquecer tensões, apertar mãos, abraçar indistintamente a quem passasse diante de mim nas ruas, ter sentimentos infantis, ora.

Cantigas de roda invadem minha mente e, não tem jeito, aquele homem é o centro de tudo, um mistério. És minha melodia, o que me dá cadência, sincopado, alegria: não tem jeito, ele é o centro de mim, um mistério. Simplesmente ele.

(*) Produtora cultural, cursando Letras na Estácio de Sá, Niterói, RJ.

terça-feira, 21 de julho de 2009

Ausência do sol, por Evelyne Furtado

Evelyne Furtado (*)



"(...) Onde vocês veem coisas ideais, eu vejo coisas humanas; ah, somente coisas demasiadas humanas!”

Naquele verão Nietzsche era o filósofo da moda. Todos pareciam conhecer o pensador intimamente, menos eu.

Um adolescente de 18 anos, em uma discussão on line, "mandou-me" ler Nietzsche. Achei o cúmulo da prepotência. Eu, que me considerava uma leitora razoável, estava sendo questionada por não ter lido o filósofo alemão. por um menino!

Depois de responder-lhe com minha ninharia "nietzschiana", advinda de Josteein Gardder, em poucas linhas de O Mundo de Sofia e de outros livros de iniciação à filosofia, resolvi encarar essa.

Empolgada com Quando Nietzsche Chorou, o romance de Irwin D. Yalon, onde Freud, Dr.Josef Breur, Friderich Nietzsche e Lou Salomé reunem-se na ficção, passei ao assassino de Deus.

Durante dias de muito calor, levei seu primeiro livro, “Humano Demasiado Humano” e outro trabalho sobre a sua obra, para a praia. Eu, Nietzshe, água de coco e o sol na Praia de Forte, em Natal.

A semana começou com o brilho do sol e o entusiasmo do aprendizado.
Lia os aforismo que contrariavam os fundamentos com os quais eu havia formado meu comportamento e me impressionava com a razão contida nas idéias do pensador.

Ali tudo era permitido em razão do bem-estar do homem. Não havia Deus. Não havia o mal. Quem matasse ou roubasse para se satisfazer teria Nietzsche como padrinho.

O super-homem, o eterno regresso e, principalmente, o niilismo, apesar de toda genialidade do filósofo, foram apagando o sol dentro de mim.

Ao fim daquela semana, eu sabia um pouco mais sobre Nietzsche, porém era uma mulher quase sem esperança. O sol queimava minha pele, mas não me aquecia.

Não me interessava o mundo segundo o filósofo alemão. Eu precisava e preciso crer em um ser superior acima dos homens e fiz a opção pela fé, sem deixar de me compadecer e de admirar aquele homem sábio e triste. Naquele verão, optei pelo sol e deixei Nietzsche na prateleira.

(*) Cronista e poetisa em Natal/RN

domingo, 12 de julho de 2009

Janelas, por Fabiana Bórgia

Fabiana Bórgia (*)



A vida abre
caminhos:
existencialismo de Sartre.

Eu me envolvo
com o mundo
e me escondo
(atrás das portas)
até alguém me descobrir

Quando o silêncio expandir a minha voz
eu estou aqui.

Isso tudo
quando percebo
janelas.

(Do livro “Desconexos”, Íbis Libris – Rio de Janeiro).

(*) Poetisa e advogada, fazendo especialização em Leitura e Produção Textual, autora do livro “Traços de Personalidade”.

domingo, 5 de julho de 2009

Casa de praia, por Rodrigo RamazziniRodrigo Ramazzini (*)

- Amor, olha só...
- Que?
- Ontem, os guris me ligaram... E... E me fizeram um convite.
- Que convite, Márcio?
- Bom! Tu sabes que eles estavam cheios de planos para o verão, né?
- Ricos planos! Forjados em meio a muitos litros de cerveja. Tinham tudo para dar errado! Por isso nenhum saiu do papel...
- Pois é... Tenho que concordar em parte contigo. Em anos anteriores foi assim mesmo. Mas desta vez a idéia de alugar uma casa na praia, finalmente, se concretizou.
- Ah é? Que legal! Até que enfim... As gurias alugaram uma também!
- Também?
- Arãn! Bah! Estava pensando aqui: fazia uns bons verões que eles estavam alugando essa casa mesmo, hein?
- É verdade!
- Qual a praia?
- Na mesma aquela que a mãe do Arroz tem casa!
- Ah tá! Quando eles irão?
- Na sexta-feira.
- Quem vai? Toda a galera?
- Sim! Sim! Quer dizer, em parte...
- Como “em parte”?
- Bom! Os solteiros eu sei que vão...
- E?
- Eu e o Marquinho já não sabemos!
- Ué! Por quê? Vamos! Qual o problema? São seus amigos...
- É que tem um problema.
- Qual?
- É que... É que... O convite que eles me fizeram não te incluía. Era para eu ir sozinho. Pronto! Falei!
- Mesmo?
- Arãn!
- E o que tu respondeste?
- Que iria falar contigo!
- Para disfarçar, né? A resposta tu já sabes que logicamente é um não!
- Por quê?
- Tu ainda tens a cara de pau de perguntares por quê? Sozinho na praia com teus amigos, nem pensar! Só seu eu estivesse louca!
- Qual o problema? O que tem de mais?
- Qual o problema, Márcio? Qual o problema? Que orgia praiana não vai virar essa casa...
- Nada a ver, Veridiana!
- Sei... Prefiro acreditar no Coelhinho da Páscoa!
- Não faz assim! Será só um tempo na praia com a galera, para espairecer, só isso...
- Eu acredito! Se tiver muita cerveja e mulheres correndo de calcinha pela casa então, vai ser perfeita a espairecida!
- Meu Deus! Não é isso! Tu sempre fazendo caso... Só quero aproveitar as minhas férias.
- Márcio! Vou falar pela última vez com todas as letras pausadamente: a resposta para a tua ida a praia sozinho com os amigos é NÃO! E não se fala mais nisso...
Sexta-feira

- Smack! Mmm! Ah... Que beijo!
- Quer mais, meu gatinho?
- Arãn! Eu já falei que te amo hoje?
- Que eu me lembre não! Que barulho é esse?
- É o meu telefone... Não acredito!
- O que foi?
- É o meu chefe!
- Atende.
- Alô! É ele. Oi chefe! Fala... Estou na cidade sim! De férias, mas estou... Ah ah ah... Por quê? Putz! É mesmo! Tio dele que morreu, isso? Bah... Até posso, mas... O Vinícius não iria substituí-lo? Ah é? Que azar! Qual pé? Pior ainda... Bom! Se for para o bem da empresa e felicidade geral do chefe, eu vou sim! Daqui a pouco estou aí. Tchau.
- O que foi Márcio?
- O babaca do meu chefe me chamando para trabalhar. Parece que morreu um tio do Osmar e o Vinícius quebrou o pé jogando futebol. Daí, vou ter que substituí-los. Preciso ir lá, meu amor.
- Em plenas férias, Márcio?
- Fazer o quê? Não podia recusar, né! Eu preciso deste emprego... O pior é que, pelo jeito que ele falou, vou ter que trabalhar o final de semana todo. Mas eu mando notícias. Dá um beijo: Smack! Mmm! Fui! Qualquer coisa me liga...

Minutos depois...
- Alô!
- Mônica é a Veridiana! O que eu te falei? Aconteceu aquilo que eu previa. Conheço bem o Márcio. O safado usou a velha desculpa de ter que trabalhar no final de semana pra me enrolar. O infeliz está até de férias. Com certeza irá para a praia com os amigos. Falando em praia, aquele convite de eu ir com vocês ainda está pé? Vão sair daqui à uma hora, isso? Perfeito! Vou arrumar as minhas coisas e espero vocês...
(*) Jornalista e cronista.