segunda-feira, 29 de junho de 2009

Sob testemunho do Rio Mearim, por Seu PedroSeu Pedro

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Dia 3 de janeiro. Aproveitando-me da madrugada calma, e do sono dos ainda cansados do fim de ano e que só neste sábado voltarão aos embalos da noite, estou navegando virtualmente pela Internet, procurando, no Google, nomes daqueles que no passado tiveram um mínimo de interação na minha vida. Vida esta igual à do que ainda pensa que é alguma coisa e coisa alguma é. Somos momentos, eternizados ou esquecidos, pois como diz o poeta, “tudo passa, tudo passará”. Antes das buscas fui ao site de hábito, o Recanto da Letras onde vejo amigos que nunca vi. Visito pela primeira vez Silvano Alves, nascido na cidade de Pedreira, no Estado do Maranhão, às margens do Rio Mearim. Não sei precisar exatamente o tempo, mas creio que fazem entre trinta e cinco a quarenta anos que estive nesta cidade, às carreiras.

Uma noite, sentado em uma cadeira de balanço, na varanda de sua casa paroquial, na cidade de Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, estava padre Benedito Pereira Lima lembrando sua infância e juventude. Nasceu em Pedreiras, no Maranhão, de onde saiu aos 13 anos para estudar em um seminário e até seus vinte e poucos anos, a família teve notícias do rapaz. Mais de trinta anos haviam se passado e padre Benedito buscava recordações da pequena, mas progressista cidade e contava a lenda da cobra que tinha a cabeça na grande pedra, folclore daquela região. Creio que Benedito já é falecido, pois comemorou mais de meio século vivido naqueles dias, além de avançar sobre ele uma bronquite crônica.

Naquela noite Benedito me convidou a acompanhá-lo a uma viagem que havia décadas pretendia fazer. Pretendia, mas não fez. Voltar à sua terra, rever os antigos parentes que ali ainda estivessem vivos, pai e mãe não tinha mais. Na viagem em um automóvel que me coube dirigir, contando cidades que nem ouvira falar, chegamos no mesmo dia de uma festa e show. Reginaldo Rossi iria cantar ali. Sem direção certa dos parentes, e pelo adiantado da hora, procuramos um hotel. Parece-me que na época era o único, e já com sua lotação comprometida pela presença do astro e suas equipe. Assim mesmo, sem muita escolha de conforto, ali ficamos. No dia seguinte, bem cedo, saímos a procurar os parentes de padre Benedito. Afinal, já fazia trinta anos!

Sem muita dificuldade soubemos que um primo do padre tinha um comércio ali próximo. Fomos até lá. Recebi com frieza. Benedito foi lembrado que havia sumido e não havia dado notícias nem por carta, se vivia e onde vivia. Foi-lhe dito que a herança que seus pais haviam deixado já estava distribuída. E a pergunta: “Veio aqui por causa da herança?”. Benedito recolheu-se, silenciosamente, a ele próprio, abaixou a cabeça, entrou no carro. Passamos no hotel, recolhemos nossos pertences, e fomos dormir, a segunda noite, em cômodos separados, na cidade de Bacabal, onde por três noites padre Benedito permaneceu enclausurado em um apartamento de hotel.... Ele que havia vivido tantos anos sem heranças de família, por que razão as iria buscar trinta anos depois?

De tudo isto me restou a lição de que não pertencemos ao meio que abandonamos, mas ao circulo em que vivemos. Nossos melhores parentes são aqueles que conhecemos e com eles convivemos, não os que pelo tempo distante nos tornamos desconhecidos. E vem o menino meu vizinho, ainda tão novo, e me diz: “Quem vive de passado é museu”. Talvez tenha razão.

(*) Seu Pedro é o jornalista Pedro Diedrichs, editor do jornal Vanguarda, de Guanambi, Bahia.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Assassino, coveiro e fotógrafo, por Fábio de Lima

Fábio de Lima (*)

Na minha profissão é mais comum se conviver com coisas tristes que felizes. A morte pode ser motivo de festa em algumas culturas de paises distantes, mas no Brasil é dolorosa e triste. Sempre foi. No meu caso, ainda pior, visto que lido com a morte matada. Quando se morre de doença alguém pode dizer: foi melhor para ele que ficar sofrendo. Mas, quando se morre assassinado, seja o morto uma pessoa boa ou ruim, sempre deixará saudade e tristeza no coração de alguém. Então, não saio por aí matando gente e dando risada. Meu trabalho é feito de forma sisuda.

Portanto, naquela quinta-feira fria de agosto, achei maluca a proposta de Zé Peru. Aliás, seu nome já me parecia maluco. Zé Peru nascera numa cidade peruana chamada Ambayama, ao norte de Lima. Veio para o Brasil com um irmão e dois primos quando ainda tinha 15 anos de idade. Foi carregador de caixas no mercado municipal de São Paulo, depois vendedor de temperos, e acabou montando uma padaria, também no centro da cidade, quando tinha pouco mais de 20 anos. Foi nessa padaria que viveu, atrás do balcão, até os 71 anos, quando faleceu vitimado por um infarto fulminante.

Bem, como é fácil notar, Zé Peru foi um lutador – imigrante que conseguiu vencer no Brasil às custas, exclusivamente, de seu trabalho. Mas, num certo momento da vida, um assaltante tirou Zé Peru do domínio de sua rotina. O malandro assaltou, seguidas vezes, a padaria de Zé Peru, e sem nenhuma cerimônia. Os assaltos eram à luz do dia, com arma em punho, ameaçando o próprio Zé Peru e também seus fregueses. Zé não teve dúvida – veio atrás de mim para contratar os meus serviços.

Histórias como essa, ouço, diariamente, no afazer de meu ofício. Mas, Zé Peru me trouxe uma história toda especial. Depois de negociar comigo o valor de meu pagamento, condicionou a entrega do dinheiro a um serviço extra que eu teria de fazer. Ele me contou que em Ambayama existe uma crença que quem é assassinado não pode ficar jogado sob sol ou relento.

Quem mata em Ambayama tem o dever de enterrar o defunto numa cova rasa, de forma que só a cabeça fique para fora da terra. Ainda segundo a crença, o assassino que não faz isso morre também, num prazo máximo de 13 meses. A morte pode ser natural ou não. Não cumprir o ritual é assinar a própria sentença de morte. Não bastasse, se o assassinato teve um mandante, descumprido o ritual, morre o mandante também, no mesmo prazo.

Eu confesso já ter escutado histórias estranhas. Na vida, acho que nada mais me surpreende. Mas aquele pedido de Zé Peru me deixou com a cabeça coçando. Afinal, eu era um matador e não um coveiro. Demérito nenhum à segunda profissão, mas acho que cada um com seu talento e o meu nunca foi de enterrar defunto e sim fazer defunto. Argumentei tudo isso para Zé Peru, mas ele esteve irredutível, e me disse que se eu não aceitasse o trabalho ele procuraria outro matador.

Zé Peru havia me oferecido mais que o dobro do que se pagava para um assassinato. Então, mesmo intrigado, aceitei o trabalho, sendo coveiro e tudo. E Zé ainda me pediu mais uma coisa. Disse que o acordo que faríamos era algo muito sério que envolvia o futuro de nossas vidas. Portanto, Zé precisava de provas que o homem, depois de morto, seria enterrado mesmo. Eu precisaria provar com fotos do corpo enterrado com apenas a cabeça para fora da terra. Eu achava que Zé Peru era doido, mas, mesmo assim, prometi para ele que faria todo o serviço da forma combinada.

Duas semanas depois do acordo com Zé Peru, eu, debaixo de uma fina garoa, num sábado de lua cheia, no bairro de Aricanduva, extremo da Zona Leste de São Paulo, num lamacento campo de futebol, às 3h27 da madrugada, eu batia cinco fotos. De Zé Peru, recebi o pagamento e o agradecimento na segunda-feira, na hora do almoço, numa lanchonete no bairro da Liberdade. Ele ficou com as cinco fotos e com a satisfação nos olhos ao ver o meu trabalho. Anos depois, tive notícias que ele havia morrido. Pelo que soube, a morte de Zé Peru aconteceu 13 meses depois de nosso último encontro.

(Trecho do livro DOCE DESESPERO, de Fábio de Lima, ainda em processo de escrita).
(*) Jornalista e escritor, ou “contador de histórias”, como prefere ser chamado. Está escrevendo seu primeiro romance, DOCE DESESPERO, com publicação (ainda!) em data incerta.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

As noites paulistanas são belas, maravilhosas. Com chuva ou um tempinho frio é gostoso andar pela cidade. Este é um ano diferente, em que comecei a freqüentar algumas baladas sozinho. Aprendi a fazer programas bastante interessantes, como ir ao SESC Pompéia e depois dar uma passadinha em Pinheiros para dançar o bom e velho forró.

Estranho, ao sair de casa, na fé que iria conseguir um ingresso para assistir o show da Banda Black in Rio e a participação do trombonista Boccato na Choperia. Ao chegar na bilheteria, havia uma placa com a seguinte mensagem: Ingressos Esgotados para Black in Rio e Boccato.
Pensei, circulei, fiquei olhando alguns banners. Voltei, descobri que havia Arrigo Barnabé. Nunca assisti a uma apresentação do Pianista. Logo, resolvi, comprei o ingresso e subi até o teatro.
Arrigo e seu parceiro, dois exímios pianistas que apresentavam as suas composições experimentais. Pude ouvir no final “Clara Crocodilo”, que é uma composição bastante interessante. Acabou a apresentação, segui em direção ao estacionamento. Encontrei duas moças comentando sobre o show e ficaram surpresas com a performance do Arrigo Barnabé e de seu parceiro. Quando pagava a conta, olhei para o relógio: eram 22h15. Peguei o carro, dei uma voltinha no bairro das Perdizes e resolvi seguir até a Faria Lima. Entrei no Canto da Ema, fiquei até 01h00 da manhã.


Durante a volta para a casa, a cidade estava bastante movimentada. Plena madrugada de sábado para o domingo, as principais vias da cidade encontravam-se congestionadas. Ao chegar em casa, pude descansar bastante e aproveitar o domingo para estar com o pique para a segunda-feira.


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Sábado seguinte, passa uma semana apertada, muitas contas para pagar. Enfim, chega a hora da diversão. Li no jornal na sexta-feira que teria uma apresentação do Francis Hime e com participação de Mônica Salmaso.


Durante a manhã, uma garota torrou a minha paciência e queria ir para uma igreja. Eu disse que não estava a fim de ir em nenhuma igreja, queria me divertir e estava em dúvida se ia para o Teta Jazz ou Sesc Pompéia. Ela insistiu sobre a igreja. Disse que precisaria de um emprego e não tinha um real para pagar uma garrafa de água. Logo, pensei, pensei... enrolei na Internet e achei uma igreja e disse que iria buscá-la às 18h15 na casa dela.


Cheguei um pouco atrasado, mas dentro do horário previsto. Choveu, deu tudo errado, mas cheguei. Ao perguntar ao porteiro: “Cadê a *Chiquinha do 108? “, ele interfonou e disse: “ Meu, ninguém responde”. Então, entrei no carro e fui embora. Fiquei muito chateado, triste. Mas lembrei do que eu li no jornal que teria Francis Hime no SESC. Logo, fiz a volta e segui em direção a Pompéia. Fiquei só, olhando pessoas que estavam sozinhas, com famílias, com amigos e lá estava no meu canto, tomando um Del Vale de latinha e vendo o tempo passar.
Comprei o ingresso e mais um tempinho, segui até o teatro. Ao tocar a campainha, entram os músicos e Francis Hime. Uma apresentação maravilhosa, músicos de ótima qualidade. Francis mostrou muita facilidade ao se comunicar com o público e a participação de Mônica Salmaso foi bastante marcante e deu um colorido especial junto ao grupo do músico carioca.
Uma hora e meia de show que passou muito rápido de tão bom que foi. Valeu a pena sair sozinho mais uma vez pelas noites paulistanas.
(*)Estudante de jornalismo, micro-empresário e escreve no blog Casos Urbanos www.luisdelcidess.blogspot.com.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Obrigado Gentileza por seu perdão, por Seu Pedro

Seu Pedro (*)



Já escrevi outras vezes sobre isto, mas vale recordar. Ou não se faz reiteradas vezes a mesma oração do Pai Nosso? Cada vez que repito este feito, é como se viesse nova oportunidade para um pedido de perdão que me valerá eternas lembranças do sorriso de quem me tenho certeza me perdoou. Refiro-me ao profeta Gentileza, José Datrino, nascido na cidade de Cafelândia, em São Paulo, no dia 11 de abril de 1917, falecido em Mirandópolis, São Paulo, em 29 de maio de 1996, para onde foi levado por familiares, pois seu estado físico já não permitia suas andanças, só falando do bem.

Os que conhecem sua história sabem que Datrino, desde tenra idade, era portador de um comportamento atípico: dizia ter premonições e que depois ter família; mulher e filhos, largaria tudo em pról de uma missão que cumpriria. No dia 17 de dezembro de 1961, na ciade de Niteroi, RJ, dizem que, criminosamente, alguém ateou fogo nas lonas do Gran Circus Norte-Americano, durante um espetáculo de casa lotada, o que foi considerada a maior tragédia circense do mundo, quando mais de quinhentas pessoa morreram. Na ante-véspera do Natal daquele ano, surge o Gentileza. Datrino foi um consolador voluntário, visitando familiares dos mortos e passando a mensagem de “agradecimento” a Deus.

Desfeito de seus dois caminhões, distanciado da família, com filhos já criados, plantou grama no local da tragédia e, naquele terreno, foi morar, alí meditando por quatro anos. Seu lema era: Agradecido e Gentil. Assim, ficou conhecido como José Agradecido, posteriormente como Profeta Gentileza. Após deixar o local que foi denominado Paraíso Gentileza, o profeta Gentileza começou a sua jornada como personagem andarilho. E foi um dia, que não sei com precisão, no início dos anos setenta, que apressadamente eu iria entrar na barca de travessia entre Rio e Niteroí, quando me senti atrapalhado por aquele homem de túnica branca e longas barbas, com uma placa na mão pregando os dez mandamentos. Instintivamente, chamei-o de louco. E ele respondeu: Sou maluco para te amar e louco para te salvar.

A barca inciou a travessia e o profeta percorrendo seus corredores e seus dois andares. E só falava de amor. Em sua infância, foi amansador de burros, que conduzia pela feiras de sua cidade, trabalhando e ajudando sua família pobre. Se dizia agora amansador dos burros homens da cidade, que não tinham esclarecimento. Me senti um deles. E manso, dispus da cadeira, com vista para o mar, cedendo-a a uma senhora, e caminhei pelos corredores. De frente ao profeta, roguei: me perdoe. O sorriso a mim destinado disse tudo: eu tinha obtido o perdão. Voltei ao meu espaço de ouvinte, e aquele que se tornou uma das figuras de rua mais populares do Brasil continuou a pregar.

A cada dia onze de abril eu deveria meditar sobre o homem que percorreu, em sua última década de vida (morreu aos quase noventa anos) o Brasil na quase totalidade das cidades. Não fundou nenhuma igreja, não arrecadou nenhum dízimo, e só falava no bem, e aplicava frases de efeito moral contundentes. E fico a pensar o que lí em uma crônica de um amigo padre: todos os meios de comunicação são importantes na mensagem da palavra de Deus. Para mim Gentileza foi importante comunicador. E se vivo pedindo perdão a Deus pelos meus pecados, pequei perante o proferta. Dele pedi e recebi o perdão. Ví-o face-a-face! Um homem que prega o amor, o perdão, que não alimenta ódios, pode ser chamado de louco? Só se for louco para lhe salvar, e ai serei um louco também.

(*) Seu Pedro é o jornalista Pedro Diedrichs, editor do jornal Vanguarda, de Guanambi, Bahia.