segunda-feira, 6 de abril de 2009

O “desafio” de Pedro, por Marco Albertim

Marco Albertim (*)



Pedro pediu, pediu-nos para escrever sobre o terceiro aniversário do Literário; lançou-nos, conforme ele, um “desafio”; algo que, feito, terá amadurecido o escritor; a si e ao espaço de sua escrita. Começo meio que constrangido, porquanto a desafios estão acostumados os poetas repentistas. Os repentistas têm na ponta da língua a resposta ao desafio, nutrem-se da porfia, são cúmplices nas acusações mútuas. Escrevo, eu, não por desafio, mas para reconciliar-me com o outro eu que carrego nos sentidos. Escrever é um desafio episódico, visto que se circunscreve em algum limite das 24 horas do dia, da noite. Estas sim, posto que somadas, darão chances ao feito da escrita. Acordar é um desafio, sobretudo na segunda-feira, como faço agora.

Acordo simulando felicidade, com alguma astúcia. Pedro, inda que longe, está à espreita; por certo já terá escovado os dentes. Depois de cevar-se no primeiro desjejum, assuntará o que nós ou alguns de nós estarão assuntando para o seu “desafio” – esperto, ele trajou o “desafio” com enfeites de pedido, deixou-nos ainda mais desafiados. Sinto-me como da primeira vez em que escrevi para o Literário, confuso, desjeitoso; mas embeiçado na tenção de tornar-me um colaborador; não um colunista; o colunista escreve como se estivesse fazendo a assepsia do busto de Coelho Neto a seu lado, junto de outros enfeites. Sem desmerecer Os pombos, conto belíssimo de Coelho. O encomendado a um amigo a compra de um busto de Machado de Assis, em São Paulo

O sacana encheu-se de chopes e esqueceu a compra; ele próprio um machadiano empedrado. Tenho, e com ele troco ideias, o sopro de um vento que Cirilo, o pescador que me vende o peixe, diz vir do sudeste; “...ele sempre vem do sudeste, por isso não precisamos fazer o bordejo para chegar ao local onde deixamos a rede”. Cirilo não sabe escrever, mas é tão objetivo nas rotas que faz inveja ao escritor apurado. O diálogo que tive com o vento, vindo do sudeste, acentuou-me o dever do ofício; de tal modo que fiz de Pedro o interlocutor, sem ajuizar a extensão de sua voz; imagino-a, agora, cava, combinando com a quadratura do rosto. E vejo-me com dezoito anos, no primeiro trabalho.

“Rapaz, vá ao banco depositar este dinheiro. Não esqueça de trazer o comprovante do depósito!” – advertira-me o gerente do escritório. Quando saí da sala, o outro boy chamou-me a um canto: “Se demorar ele pensa que você parou para ouvir o camelô falar...” O gerente me falou com a mesma voz que imagino ser a de Pedro, agora: “O desafio, rapaz!”

Parei para ouvir o camelô fazendo o pregão de um remédio para todas as curas. Um milagre na Praça da Independência! Com farmácias em volta, vendendo caro, remédios de cura duvidosa. O camelô me convenceu, queria estar doente, eu, para ser sua cobaia. Tempos depois, dei-me conta de que a oratória do camelô, longa, concisa, inda que na boca babona, era um discurso apurado, mais apurado que o arrazoado de um desembargador emaranhado em latins tardios. O camelô foi o primeiro homem a me impressionar com o uso das palavras. Pedro... Tenho saudades do camelô. Agradeça a ele, in memoriam, eu ter aceito o seu “desafio.” Obrigado, Pedro Bondaczuk.

(*) Jornalista e escritor. Trabalhou no Jornal do Commércio e Diário de Pernambuco, ambos de Recife. Escreveu contos para o sítio espanhol La Insignia. Em 2006, foi ganhador do concurso nacional de contos “Osman Lins”. Em 2008, obteve Menção Honrosa em concurso do Conselho Municipal de Política Cultural do Recife. A convite, integra as coletâneas “Panorâmica do Conto em Pernambuco” e “Contos de Natal”. Tem dois livros de contos e um romance.

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