segunda-feira, 21 de julho de 2008

Eu ainda tenho namorado, por Aliene Coutinho

Aliene Coutinho(*)



Assim que o vi achei que era um índio perdido na cidade – para ser mais exata, na praia. Tinha aquele bronze avermelhado, cabelos pretinhos e lisos, olhos meio puxadinhos, boca pequena. Nem era alto, nem baixo. Nem magro, nem gordo. Era básico, pelo menos para meus conceitos. Troquei olhares, puxei conversa e descobri que de índio só a herança genética, no mais era urbano, universitário. Era de exatas, mas escrevia poesias e adorava literatura.

Aquele encontro em um verão no início dos anos 80 foi apenas o primeiro de uma série. Posso dizer que amadurecemos juntos. Vimos e participamos das mudanças ocorridas em cada um de nós e até mesmo no País. Estávamos juntos na campanha pelas eleições diretas, votamos juntos para Presidente, e também para eleger o primeiro governador do Distrito Federal. Presenciamos a poucos metros do Congresso Nacional o badernaço contra o Plano Cruzado II, que deixou um rastro de violência na Capital, e tantos outros fatos históricos.

Tudo isso, sem falar das nossas histórias pessoais. As formaturas, os primeiros empregos, o aluguel, os amigos em comum, as noites de farra, as discussões, as quase separações, as brigas que todo mundo tem. O morar junto sem pensar no amanhã, mas cheio de compromisso e respeito. Os filhos que vieram depois de anos de convivência, e o pedido de casamento mais depois deles ainda. Duas vidas que seguiam paralelas, mas que de tão perto uma da outra parecia uma só.

Existiam defeitos, imperfeições, crises de choro, de angústia, de solidão. Vontade de jogar tudo para o alto. Momentos para se perguntar se poderia ter sido diferente. Éramos humanos. Gente igualzinha a qualquer outra. Gente que nunca está satisfeita. E os anos foram passando, e um dia quando olhei para trás vi que os calendários se amontoavam em nossa mesa e cama. Estávamos juntos há 24 anos.

Há quem diga que somos quase raridade. Não sei. Aprendi, com o mestre tempo, que não adianta fugir dos problemas, e nem trocar de marido diante de cada um deles. Aprendi que por mais feio que o diabo pareça, se a gente pode contar um com o outro, e olhar um para o outro e vê que ainda resta amor, aí, sim, tudo vale à pena. Até declarar, via internet, que ainda comemoramos o Dia dos Namorados e que eu, pelo menos até esta data, me sinto tão namorada quanto naquele primeiro encontro.

(*) Jornalista e professora de Telejornalismo

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