quarta-feira, 9 de julho de 2008

Enfim, Saramago, por Evelyne Furtado

Evelyne Furtado (*)



Demorei a ler Saramago. Além de um ou dois artigos eu não lia o autor português, ganhador do Nobel, por pura e assumida antipatia. Ressalvo que em um dos artigos, lido logo após o atentado às Torres Gêmeas, vislumbrei um pouquinho de sua genialidade, mas não quis ver mais.

Quando abria ao acaso um dos livros de José Saramago, com títulos muito interessantes, dava-me uma preguiça enorme de gastar meu tempo naqueles períodos sem fim. Fechava o livro e não comprava.

Nas entrevistas eu via um homem arrogante, que me parecia ser auto-suficiente, meio dono da verdade e que de certa forma não se sentia bem em sua origem portuguesa. Alguns amigos portugueses reforçaram minha impressão. Isso me bastava para não querer ler Saramago.

Se era para ler um Nobel da Literatura eu já lia e me deliciava com Gabriel Garcia Márquez. Adoro sua maneira encantadora de falar sobre a vida. Se eu tinha que escolher autores portugueses, já me sentia redimida por ter lido e relido Eça de Queiroz de quem me orgulho ter uma edição comemorativa do seu centenário em exemplares pesadíssimos que herdei do meu avô. Sem falar de Fernando Pessoa, que fez com que eu me interessasse em ler mais poesia. Principalmente quando na pele de Caeiro.

Claro que já gostava dos brasileiros Drummond, Manoel Bandeira, Cecília Meireles e da doce Cora Coralina, mas "me" vi nos versos de Pessoa. Li muito até chegar a Saramago. Li boa é má literatura, pois só me guiava o prazer, que muitas vezes nos leva às atitudes impulsivas e à fuga da realidade.

Não me arrependo. Sou assim e assim sigo. Aos poucos fui lendo uma página e outra do português Saramago, então optei pela leitura mais fácil. Durante um vôo comecei a ler “As Intermitências da Morte” e o interesse veio naturalmente a cada página. No quarto do hotel, antes de dormir, continuei a leitura leve e com especial senso de humor.
De repente a luz.

Encontrei o gênio em uma fábula onde a morte se cansava da ingratidão dos humanos e fazia uma greve. Saramago vai nos mostrando após um breve momento de euforia geral, o caos que a ausência da morte poderia causar. A "imortalidade" narrada por José Saramago incomoda o Estado, a Igreja, os hospitais, as casas de idosos e a própria vida das pessoas comuns.

Convicções férreas são abaladas, inclusive a fé, o amor e as relações humanas. A ausência da morte põe a vida de pernas para o ar. Ela, a morte, é personagem de uma romance. "Nunca dorme", mas vê TV, hospeda-se em hotel, deslumbra-se em um concerto de violoncelo, e não ensaia, pois na verdade atua em um jogo de sedução, digno dos melhores sedutores, com o músico e ganha.

Por enquanto, resumo meu encontro com Saramago aqui e já me rendo à sua genialidade, não é qualquer contador de estórias que nos faz rever a vida e a morte.

* Jornalista, poetisa e cronista em Natal/RN.

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