terça-feira, 9 de dezembro de 2008

A vida sexual do Louro, por Ruth Barros

Ruth Barros (*)



Contos da Mula Manca

Adotei o Louro, que apesar do nome é cachorro. Ele acabou sendo chamado de papagaio por uma simples questão física, o Louro é um vira-lata louro mesmo, lindo e ordinário, ou Otto. Para quem se lembra, Bonitinha mas Ordinária tinha como outra opção de título ou Otto Lara Rezende, que enfurecia o próprio contra Nelson Rodrigues, o autor, que dava risada.

Pelas minhas contas o Louro deve ter uns três anos. Sei pouco de sua vida pregressa, faz pouco mais de um ano que está comigo, mas presumo que tenha sido difícil. Ele é ótimo cão de guarda e melhorou de gênero aqui em casa, mas continua espantando amigos, inimigos e simpatizantes, além de eventuais pretendentes incautos. Se homem já está difícil o Louro fez do tipo substantivo abstrato.

Deve ser vingança. Já que ele não pega nada, ninguém mais há de na casa onde ele impera. A maioria das cachorras da atualidade é castrada. Quem não é não vai se dar ao luxo de encarar um vira-lata de atitude, dificilmente na vida real ele vai repetir o enredo de A Dama e o Vagabundo. Enquanto espera uma namorada, o Louro atacou as almofadas da sala. Antes que todas fossem para o brejo, separei a que parecia ter agradado mais, com um lado de veludo cotele verde musgo e o outro um jeans fininho, macio.

Não sei se tais condições estéticas foram percebidas pelo cão, mas ele encoxa a almofada sistematicamente, principalmente na vista de uma rara visita de cerimônia. Vai cavando buracos na amada e destroçando seu recheio, espalhando pelo quintal para meu desespero. E em mais uma demonstração de que homens e cães não são lá tão diferentes, depois de repetir a façanha várias vezes, ele larga a almofada ao relento, não se dando nem ao trabalho de reconduzi-la à sua caminha.

(*) Maria Ruth de Moraes e Barros, formada em Jornalismo pela UFMG, começou carreira em Paris, em 1983, como correspondente do Estado de Minas, enquanto estudava Literatura Francesa. De volta ao Brasil trabalhou em São Paulo na Folha, no Estado, TV Globo, TV Bandeirantes e Jornal da Tarde. Foi assessora de imprensa do Teatro Municipal e autora da coluna Diário da Perua, publicada pelo Estado de Minas e pela revista Flash, com o pseudônimo de Anabel Serranegra. É autora do livro “Os florais perversos de Madame de Sade” (Editora Rocco).

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